A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães
Antônio
de Paiva Moura
A
história do livro A Escrava Isaura se
passa inicialmente em uma fazenda, em Campos dos Goitacases (RJ). Isaura é uma
escrava branca, muito bonita e bem educada, que foi criada como filha na
família do Comendador, proprietário de grande engenho. Durante muito tempo, foi
protegida de Ester, mulher do comendador, mas após a morte desta, Isaura
tornou-se propriedade de Leôncio, um jovem recém-casado com Malvina. Além de
Leôncio, a beleza da jovem escrava desperta paixão em vários personagens, como
o jardineiro Belchior, o feitor da fazenda e Henrique, irmão de Malvina. Isaura
se recusa a ceder às tentativas de Leôncio, que, para forçá-la, a manda para a
senzala trabalhar com as outras escravas. A escrava suporta o seu destino e não
cede a Leôncio, afirmando que ele não era proprietário de seu coração. Além dos
assédios e ameaças, Isaura é insultada por Rosa, escrava negra e invejosa.
O pai
de Isaura, um homem livre chamado Miguel, reúne a quantia pedida pelo pai de
Leôncio para libertá-lo, mas o jovem sem caráter descumpre a promessa do pai.
Inconformada, a mulher de Leôncio, Malvina, volta para a casa de seus pais,
deixando o caminho livre para que o jovem atormentasse ainda mais Isaura. Miguel,
o pai de Isaura, consegue tirar a filha da fazenda e foge com ela para Recife
(PE). Naquela cidade, Isaura usa o nome de Elvira e vive em uma pequena casa
com o seu pai.
Em
Recife, Isaura conhece Álvaro, por quem se apaixona e é correspondida. Eles vão
juntos a um baile e, na ocasião, ela é reconhecida por Martinho e desmascarada
em pleno salão. Álvaro fica surpreso, mas defende a amada e resolve impedir que
Leôncio a leve de volta. Usando de seu poderio, Leôncio leva Isaura de volta à
fazenda, mas Álvaro descobre a falência do jovem sem caráter e compra a dívida
dos seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, incluindo os
seus escravos. Ao se ver derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se e a
história tem um desfecho feliz.
*
Bernardo coloca no centro do
romance, uma escrava branca, educada e esmerada em bons princípios. Se fosse uma
escrava negra, que vivesse da senzala, o romance publicado em 1875, certamente
teria provocado reação violenta dos senhores de escravos contra o autor. Mas a repercussão de “Escrava Isaura” foi tão
grande que o imperador Dom Pedro II, quando esteve em Ouro Preto, fez questão
de visitar Bernardo Guimarães. O personagem abertamente assumido como
abolicionista é Álvaro, um jovem rico e belo; inserido na aristocracia rural.
Essa condição autoriza o autor a se posicionar contra o regime de escravidão.
Somente a superestrutura da sociedade podia ter idéias, manifestar posições que
contrariassem o establishment ou a
ideologia vigente. No dizer do autor, Álvaro
tinha um não sei quê de nobreza, amável, simpático.
O personagem Martinho representa a
classe média urbana, ávida por riqueza, não importando o meio de ganhá-la. Se
recebesse vultosa importância de Leôncio, com a captura e entrega de Isaura,
ele pararia de estudar e iria viver à toa entre os ricos.
Se Isaura era escrava e Leôncio seu
dono, ele poderia obrigá-la a ceder ou estuprá-la que nada o importunaria
depois, mas não se sabe de onde vinha a força de Isaura para resistir. Então
diz o autor: A beleza unida à nobreza de
alma, a superioridade da inteligência que impõe respeito aos entes, ainda que
os mais perversos e corrompidos. Para Bordieu, as ações simbólicas
representam uma posição social, baseadas na lógica da distinção social. A
distinção significante é o status que se adquire com o estilo de vida. Dessa
distinção, Leôncio não pôde destituir Isaura. O capital intelectual funcionando
como escudo contra o poderio do capital econômico.
Na condição de advogado e de experiência como juiz, Bernardo
Guimarães critica a instituição do direito que privilegia pessoas como Leôncio:
é falso dar nome de direito a uma
instituição bárbara, contra a qual protestam a civilização, a moral e a
religião. Atesta o privilégio de Leôncio, a carta que obteve do ministro da
justiça, facilitando a retomada de posse de Isaura. O pai de Isaura queria
denunciar Leôncio à Justiça, por estar escravizando uma mulher branca, mas foi
dissuadido desse intento, pois onde se
viu o pobre ter razão contra o rico; o fraco contra o forte?
Isaura é símbolo da escravidão que
transcende às etnias negras e indígenas. Há outro cativeiro dentro dela.
Concepções, princípios morais; vítima de preconceitos contra pobres e das
limitações impostas às mulheres. É significativo o fato de Isaura não aceitar
ser livre por meio do processo de fuga, mas de acordo com as leis do Império.
Em fuga, estaria sempre presa. Há, portanto, uma questão de foro íntimo que
atua, fazendo-a temer castigos de Deus, pobreza e outros infortúnios. Se Isaura
se casasse com o jardineiro, como queria Leôncio, continuaria sendo cativa,
mesmo sendo branca. O casamento com Álvaro a libertaria do preconceito da
pobreza, mas não a isentaria da submissão da mulher na sociedade.
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