Amor, opressão e liberdade, de Ricardo de Moura Faria
Amor, opressão e liberdade é
continuidade de uma novela iniciada no livro “Amor nos tempos do AI-5”, década
de 1970. O título sintetiza bem a trama da história em foco, porque seus
personagens principais, Toninho e Celina questionam o tempo todo, a união por
via de matrimônio. No primeiro livro Celina vive união estável em harmonia
porque seu marido Afonso era um intelectual, formado sob o signo do
existencialismo sartreano. Esse personagem teve liberdade de viver e se
relacionar com outra mulher, formando um triângulo amoroso: Celina, Haydèe e Afonso. Como Celina teve liberdade para se
relacionar com Toninho, seu colega de trabalho, estava formado o quatrilho, que
na realidade havia ocorrido entre Sartre e Simone de Beauvoir. Ela se apaixonou
pelo escritor americano Nelson Algrem e com ele se relacionava com o
consentimento de Sartre. Por outro lado, Sartre se relacionava com outra
mulher, com o consentimento de Simone. Chegaram até realiza viagem juntos, cada
um com sua amásia. Nessa linha de comportamento está a linha do pensamento de
Sartre: “O homem está condenado a ser livre”, ou seja, a livrar-se dos
imperativos da falsa moral ou da hipocrisia.
Enquanto se desenvolve a história de
vida da viúva Celina com seus amantes e seus filhos, o tempo e o espaço em seu
entorno é cheio de retrocessos e lutas pela liberdade política e conquistas
sociais. Como não se pode fazer um bolo só com água e farinha de trigo, não dá
para fazer a história de uma família somente com seus desejos e aspiração. A
América Latina fervia em golpes militares; guerras infindáveis e conflitos
sociais. Os filhos de Afonso e Celina vão dar continuidade à história e à
evolução mental. Nelson segue o pai enquanto Bia vai no mesmo caminho da mãe.
As minúcias na narração da vida de Celina recapitulam o modo de vida de uma
família moderna de classe média na cidade de Belo Horizonte, nas últimas
décadas do século XX: Fazer poupança para ir à praia nas férias; Natal com ceia
e muitos presentes; carro de médio custo; casa com espaço para biblioteca e
escritório.
O autor de “Amor, opressão e
liberdade”, no tempo que se desenvolve o romance, era professor universitário de
história contemporânea. Daí a capacidade de rememorar os acontecimentos
nacionais e mundiais. Antes desta belíssima obra literária, no limiar da
existência de Belo Horizonte, Avelino Fóscolo escreveu um romance intitulado “A
Capital”. A ambição dos primeiros habitantes da cidade era o enriquecimento a
qualquer custo, passando por cima de princípios éticos. Os casamentos eram por
interesse econômico. A mulher saia da escravidão paterna e caia na escravização
do marido. Na década de 1930 foi a vez de Ciro dos Anjos com seu romance “O
amanuense Belmiro”. O personagem principal é Belmiro, um rapaz de 30 anos de
idade que sai de Montes Claros para viver em Belo Horizonte. Belmiro era
funcionário público e sua ambição era a constante busca do conhecimento. Lutava
contra os arquétipos moralistas arraigados em sua alma e que o tornava uma
pessoa inibida. Em um baile de carnaval apaixonou-se por uma donzela, com a
qual alimentou um amor platônico para o resto de sua vida. Meio século depois
de “O amanuense Belmiro”, em “Amor, opressão e liberdade”, a ambição dos
personagens é o de gozar a vida, mas pensando que esse bem deve ser de toda a
humanidade.
Por fim, Ricardo de Moura Faria
cumpre aqui um duplo papel. O de historiador que pretende nos trazer os
acontecimentos do passado, esquecidos ou ignorados, de modo a provocar nossa
reflexão no sentido de compreender o presente. O escritor ficcionista que nos
intima a sair do nosso marasmo; propõe-nos a banir o nosso torpor e a sermos
livres de nossa própria hipocrisia.
Belo Horizonte, 8 de abril de 2018
Antônio de Paiva Moura
É muito interessante quando o leitor tem um olhar mais analítico da obra. No caso dessa resenha há a abordagem do existencialismo de Sartre, em que a liberdade seria(é) essencial no percurso das relações humanas.
ResponderExcluirExcelente resenha.