quarta-feira, 11 de abril de 2018

Resenha de "Amor, opressão e liberdade"


Amor, opressão e liberdade, de Ricardo de Moura Faria

            Amor, opressão e liberdade é continuidade de uma novela iniciada no livro “Amor nos tempos do AI-5”, década de 1970. O título sintetiza bem a trama da história em foco, porque seus personagens principais, Toninho e Celina questionam o tempo todo, a união por via de matrimônio. No primeiro livro Celina vive união estável em harmonia porque seu marido Afonso era um intelectual, formado sob o signo do existencialismo sartreano. Esse personagem teve liberdade de viver e se relacionar com outra mulher, formando um triângulo amoroso: Celina, Haydèe  e Afonso. Como Celina teve liberdade para se relacionar com Toninho, seu colega de trabalho, estava formado o quatrilho, que na realidade havia ocorrido entre Sartre e Simone de Beauvoir. Ela se apaixonou pelo escritor americano Nelson Algrem e com ele se relacionava com o consentimento de Sartre. Por outro lado, Sartre se relacionava com outra mulher, com o consentimento de Simone. Chegaram até realiza viagem juntos, cada um com sua amásia. Nessa linha de comportamento está a linha do pensamento de Sartre: “O homem está condenado a ser livre”, ou seja, a livrar-se dos imperativos da falsa moral ou da hipocrisia.
            Enquanto se desenvolve a história de vida da viúva Celina com seus amantes e seus filhos, o tempo e o espaço em seu entorno é cheio de retrocessos e lutas pela liberdade política e conquistas sociais. Como não se pode fazer um bolo só com água e farinha de trigo, não dá para fazer a história de uma família somente com seus desejos e aspiração. A América Latina fervia em golpes militares; guerras infindáveis e conflitos sociais. Os filhos de Afonso e Celina vão dar continuidade à história e à evolução mental. Nelson segue o pai enquanto Bia vai no mesmo caminho da mãe. As minúcias na narração da vida de Celina recapitulam o modo de vida de uma família moderna de classe média na cidade de Belo Horizonte, nas últimas décadas do século XX: Fazer poupança para ir à praia nas férias; Natal com ceia e muitos presentes; carro de médio custo; casa com espaço para biblioteca e escritório.
            O autor de “Amor, opressão e liberdade”, no tempo que se desenvolve o romance, era professor universitário de história contemporânea. Daí a capacidade de rememorar os acontecimentos nacionais e mundiais. Antes desta belíssima obra literária, no limiar da existência de Belo Horizonte, Avelino Fóscolo escreveu um romance intitulado “A Capital”. A ambição dos primeiros habitantes da cidade era o enriquecimento a qualquer custo, passando por cima de princípios éticos. Os casamentos eram por interesse econômico. A mulher saia da escravidão paterna e caia na escravização do marido. Na década de 1930 foi a vez de Ciro dos Anjos com seu romance “O amanuense Belmiro”. O personagem principal é Belmiro, um rapaz de 30 anos de idade que sai de Montes Claros para viver em Belo Horizonte. Belmiro era funcionário público e sua ambição era a constante busca do conhecimento. Lutava contra os arquétipos moralistas arraigados em sua alma e que o tornava uma pessoa inibida. Em um baile de carnaval apaixonou-se por uma donzela, com a qual alimentou um amor platônico para o resto de sua vida. Meio século depois de “O amanuense Belmiro”, em “Amor, opressão e liberdade”, a ambição dos personagens é o de gozar a vida, mas pensando que esse bem deve ser de toda a humanidade.
            Por fim, Ricardo de Moura Faria cumpre aqui um duplo papel. O de historiador que pretende nos trazer os acontecimentos do passado, esquecidos ou ignorados, de modo a provocar nossa reflexão no sentido de compreender o presente. O escritor ficcionista que nos intima a sair do nosso marasmo; propõe-nos a banir o nosso torpor e a sermos livres de nossa própria hipocrisia.


            Belo Horizonte, 8 de abril de 2018


            Antônio de Paiva Moura

Um comentário:

  1. É muito interessante quando o leitor tem um olhar mais analítico da obra. No caso dessa resenha há a abordagem do existencialismo de Sartre, em que a liberdade seria(é) essencial no percurso das relações humanas.
    Excelente resenha.

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