quarta-feira, 20 de novembro de 2019

‘Não me abandone jamais’ de Kazuo Ishiguro



Este livro é tão bom, em tantos aspectos, que acho até difícil escrever uma resenha para ele. Porque o negócio é ler e sentir toda a delicadeza do autor.
Mais do que isso: é importante ler sem muito conhecimento prévio, para que você, assim como aconteceu comigo, possa se surpreender a todo momento com a habilidade narrativa do autor Kazuo Ishiguro, Prêmio Nobel de Literatura em 2017.


Já falei dele aqui no blog, ao tentar escrever sobre o impecável "Vestígios do Dia". Naquele post, também destaquei a habilidade narrativa e a necessidade de sorver a obra com calma. Mas, veja bem: o personagem de então, o mordomo Stevens, que narrava tudo em primeira pessoa, tinha um estilo completamente diferente da narradora-protagonista de agora, a Kathy.
Quão talentoso é um autor que consegue criar vozes praticamente opostas, em todos os sentidos, com tamanha naturalidade?
Kathy tem seu próprio estilo de narrar, que vai puxando pela memória, como uma dona contando um caso do passado mesmo.
A conhecemos já na vida adulta, mas dois terços do livro se passam no passado de Kathy, em sua infância e adolescência. É só na última parte que entendemos quem ela é hoje, onde foi parar. E a história gira basicamente em torno dela e de seus dois melhores amigos: a marcante Ruth e o Tommy, dois personagens bastante interessantes e cheios de personalidade.
A forma de contar a história da narradora Kathy nos prende de uma maneira incrível. Vou dar um exemplo. Na página 69, ela termina uma frase assim: "O que aconteceu depois daquela briga por causa do xadrez ilustra muito bem o que estou querendo dizer." E a gente não consegue fechar o livro e ir dormir sem saber o que, afinal, aconteceu depois da tal briga.
O mesmo ocorre na página 82, que termina com esta: "Acontece que a oportunidade acabou aparecendo, cerca de um mês depois do episódio com Midge. Foi quando perdi minha fita preferida". E aí a gente fica querendo saber que oportunidade foi essa e que fita era aquela. E ela não desvenda os mistérios logo de cara, ela começa um novo caso do zero, para você sorver com calma até a próxima parada.
Não sei se deu para entender o ritmo do livro, mas é uma sequência de pequenas lembranças preciosas sendo recordadas, sempre costuradas desta forma, com um breve suspense para o que vem depois. E a gente não quer abrir mão de saber logo o que vai acontecer.
Fora esses micro-suspenses, tempos um suspense muito maior, que gira em torno do próprio enredo da história. Logo no início, quando somos apresentados a Kathy, o livro nos introduz aos termos "doadores" e "cuidadores", que é repetido diversas vezes, mas só vai ser explicado depois da metade da história. Quando Kathy começa a lembrar seu passado, percebemos que ela e as outras crianças vivem em uma espécie de orfanato, mas é um orfanato muito atípico, totalmente diferente de qualquer outro que já tenhamos conhecido na literatura ou no cinema. E logo aparecem outros termos obscuros: a galeria, a madame, os tais guardiões etc.
Tudo é cercado de imenso mistério – tanto para os personagens, que pouco sabem sobre eles próprios, quanto para nós, leitores. É só bem mais perto do fim que ficamos sabendo da história completa, e ela é atordoante o suficiente para nos chocar e nos fazer refletir, ao mesmo tempo.
Até chegar a esta "solução", passamos por inúmeras histórias sobre amizade, amor e sobre as descobertas próprias de qualquer pessoa em desenvolvimento. Tudo contado pelo ponto de vista de uma personagem crucial, que está longe de ser apenas uma observadora neutra dos fatos.
Enfim, como eu disse no início do post, este livro é tão bom que é até difícil escrever sobre ele. Talvez seja mais fácil você ler logo e a gente poder discutir, depois, já sem medo de estragar todas as surpresas e encantos que estão reservados para os leitores.
Não me abandone jamais
Kazuo Ishiguro
Tradução de Beth Vieira
Editora Companhia das Letras, 2018 (2a edição, 4a reimpressão)
343 páginas
De R$ 37,70 a R$ 67,90
(fonte: blog da Kika Castro)

Um comentário:

  1. não li esse. tb não gosto de ler com informação prévia. uma orelha recentemente contava o fim do livro. por sorte só leio depois q terminei de ler. tb falei de livro no meu blog e coincidentemente de um autor japonês. beijos, pedrita
    https://mataharie007.blogspot.com/

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