Este livro é tão bom, em
tantos aspectos, que acho até difícil escrever uma resenha para ele. Porque o
negócio é ler e sentir toda a delicadeza do autor.
Mais do que isso: é importante ler sem muito conhecimento
prévio, para que você, assim como aconteceu comigo, possa se surpreender a todo
momento com a habilidade narrativa do autor Kazuo Ishiguro, Prêmio Nobel de
Literatura em 2017.
Já falei dele aqui
no blog, ao tentar escrever sobre o impecável
"Vestígios do Dia". Naquele post, também destaquei a habilidade
narrativa e a necessidade de sorver a obra com calma. Mas, veja bem: o
personagem de então, o mordomo Stevens, que narrava tudo em primeira pessoa,
tinha um estilo completamente diferente da narradora-protagonista de agora, a
Kathy.
Quão talentoso é um autor que consegue criar vozes praticamente
opostas, em todos os sentidos, com tamanha naturalidade?
Kathy tem seu próprio estilo de narrar, que vai puxando pela
memória, como uma dona contando um caso do passado mesmo.
A conhecemos já na vida adulta, mas dois terços do livro se
passam no passado de Kathy, em sua infância e adolescência. É só na última
parte que entendemos quem ela é hoje, onde foi parar. E a história gira
basicamente em torno dela e de seus dois melhores amigos: a marcante Ruth e o
Tommy, dois personagens bastante interessantes e cheios de personalidade.
A forma de contar a história da narradora Kathy nos prende de
uma maneira incrível. Vou dar um exemplo. Na página 69, ela termina uma frase
assim: "O que aconteceu depois daquela briga por causa do xadrez ilustra
muito bem o que estou querendo dizer." E a gente não consegue fechar o
livro e ir dormir sem saber o que, afinal, aconteceu depois da tal briga.
O mesmo ocorre na página 82, que termina com esta:
"Acontece que a oportunidade acabou aparecendo, cerca de um mês depois do
episódio com Midge. Foi quando perdi minha fita preferida". E aí a gente
fica querendo saber que oportunidade foi essa e que fita era aquela. E ela não
desvenda os mistérios logo de cara, ela começa um novo caso do zero, para você
sorver com calma até a próxima parada.
Não sei se deu para entender o ritmo do livro, mas é uma
sequência de pequenas lembranças preciosas sendo recordadas, sempre costuradas
desta forma, com um breve suspense para o que vem depois. E a gente não quer
abrir mão de saber logo o que vai acontecer.
Fora esses micro-suspenses, tempos um suspense muito maior, que
gira em torno do próprio enredo da história. Logo no início, quando somos
apresentados a Kathy, o livro nos introduz aos termos "doadores" e
"cuidadores", que é repetido diversas vezes, mas só vai ser explicado
depois da metade da história. Quando Kathy começa a lembrar seu passado,
percebemos que ela e as outras crianças vivem em uma espécie de orfanato, mas é
um orfanato muito atípico, totalmente diferente de qualquer outro que já
tenhamos conhecido na literatura ou no cinema. E logo aparecem outros termos
obscuros: a galeria, a madame, os tais guardiões etc.
Tudo é cercado de imenso mistério – tanto para os personagens,
que pouco sabem sobre eles próprios, quanto para nós, leitores. É só bem mais
perto do fim que ficamos sabendo da história completa, e ela é atordoante o
suficiente para nos chocar e nos fazer refletir, ao mesmo tempo.
Até chegar a esta "solução", passamos por inúmeras
histórias sobre amizade, amor e sobre as descobertas próprias de qualquer
pessoa em desenvolvimento. Tudo contado pelo ponto de vista de uma personagem
crucial, que está longe de ser apenas uma observadora neutra dos fatos.
Enfim, como eu disse no início do post, este livro é tão bom que
é até difícil escrever sobre ele. Talvez seja mais fácil você ler logo e a
gente poder discutir, depois, já sem medo de estragar todas as surpresas e
encantos que estão reservados para os leitores.
Não me abandone jamais
Kazuo Ishiguro
Tradução de Beth Vieira
Editora Companhia das Letras, 2018 (2a edição, 4a reimpressão)
343 páginas
De R$ 37,70 a R$ 67,90
Kazuo Ishiguro
Tradução de Beth Vieira
Editora Companhia das Letras, 2018 (2a edição, 4a reimpressão)
343 páginas
De R$ 37,70 a R$ 67,90
(fonte:
blog da Kika Castro)
não li esse. tb não gosto de ler com informação prévia. uma orelha recentemente contava o fim do livro. por sorte só leio depois q terminei de ler. tb falei de livro no meu blog e coincidentemente de um autor japonês. beijos, pedrita
ResponderExcluirhttps://mataharie007.blogspot.com/