quarta-feira, 23 de maio de 2018

História da Terra Mineira de Carlos Góis.




                        Por Antônio de Paiva Moura

            GÓIS, Carlos. História da Terra Mineira [1913]. Belo Horizonte: Paulo Azevedo & Cia. 1942. Ilustrado por F Borgeti
             
O autor

            Carlos Fernandes Góis nasceu no Rio de janeiro em 1881 e faleceu em Petrópolis, em 1934. Formou-se em direito pela Escola de Direito de Belo Horizonte. Em seguida foi nomeado promotor público na comarca de Muzambinho MG, onde acumulou as funções de professor e promotor público. Ao ser aprovado em primeiro lugar em concurso de “lente catedrático de português” do Ginásio Mineiro, deixou o ministério público e transferiu-se para Belo Horizonte. Como professor escreveu, em 1912 o livro “Método de Análise: léxico e lógica”, que se tornou indispensável nos estudos da língua portuguesa, tanto nas escolas públicas quanto particulares. Em 1917 publicou obra intitulada “Pontos de História do Brasil para o Estado de Minas Gerais” e no mesmo ano “Pontos de Geografia para o Estado de Minas Gerais”. O certo é que em vida teve 32 obras publicadas, versando sobre dramaturgia, poesia, historiografia, lingüística e gramática. Carlos Góis inaugurou a cadeira n. 11 da Academia Mineira de Letras, em 1911 e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
            
 A obra

            No prefácio da primeira edição (1913) o autor fala do sentido epistemológico da obra destinada a alunos e professores do primeiro e do segundo graus de ensino, isto é, idéias de como o autor percebe a disciplina, servindo de subsídios para a compreensão, análise e reflexão por parte dos professores que se dedicam ao ensino da História e que estão preocupados com os seus resultados. Diz textualmente:
  O plano do presente livrinho começou a formar-se em nosso espírito, quando nos capacitamos de que é nosso dever ensinar as crianças, sob forma pitoresca de contos, a história retrospectiva desta grande porção do Brasil que é Minas Gerais. [...] Um povo só pode ter consciência de sua nacionalidade, quando se orgulha de seu passado e suas tradições. [...] A literatura infantil de contos da carochinha, de histórias do outro mundo, de abusões e fantasmagoria é tudo quanto pode haver de mais nocivo ao espírito das crianças. Fazem-nas supersticiosas, medrosas e pusilânimes. A literatura infantil tem o dever de ser sadia e forte, de ser nacional, local e regional.
           
 É interessante notar que Carlos Góis publicou esse livro 16 anos antes do surgimento da Escola dos Analises de Marc Bloch e Lucien Febvre, em 1929. Em seu tempo estava em moda no Brasil o ideal positivista de narração historiográfica, isto é, textos engessados, duros e sem sabor. Queriam chegar a uma verdade absoluta. Por isso uns autores viviam contestando os outros.  Marc Bloch tentando responder a um jovem a indagação de para que serve a historia, assim termina a resposta. Falei ao jovem:

Posso até não saber de sua real serventia! Só sei, que a estudo por que ela me causa um imenso prazer, o prazer de conhecer, o prazer do saber.”  E no outro dia lhe levei estas sábias palavras de São Bernardo de Claraval, Sobre o cantar dos cantares, Sermão 36, III. “Há quem busque o saber pelo saber: é uma torpe curiosidade. Há quem busque o saber para se exibir: é uma torpe vaidade. Há quem busque o saber para vendê-lo: é um torpe tráfico. Mas há
quem busque o saber para edificar, e isto é caridade. E há quem busque o saber para se edificar, e isto é prudência.

            O livro “História da terra mineira” tem uma sequência fatual muito fiel à cronologia que vai desde as primeiras expedições até a independência do Brasil. É um dos primeiros a valorizar a resistência negra nos quilombos, como o “Mártir Isidoro”, a arte dos mulatos e os trabalhos arqueológicos e paleontológicos de Doutor Peter Lund em Lagoa Santa. 

Prisão do mártir Isidoro - Borgetti
 
            Fernão Dias Paes Lema, o governador das esmeraldas e Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, são apresentados como homens estudados e preparados. Por isso não acreditaram nos mitos indígenas devoradores de homens brancos. Fernão Dias, da mesma forma que Ulisses, não acreditou na lenda de que Uiara habitante da lagoa do Vupabuçu atraia e devorava quem tentasse extrair as esmeraldas na Serra Resplandecente. Esse mito havia sido criado pelos índios para proteger a natureza no interior de seu habitat. Os índios de Goiás achavam que Anhanguera tinha poderes sobrenaturais ao vê-lo atirando com espingarda. Por isso, com medo retiraram-se das minas de ouro deixando-as à disposição dos portugueses. Mário de Andrade, na novela “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter”, no final, por sua ignorância, o personagem é atraído por Uiara e acaba sendo devorado por ela. Carlos Góis, sabendo que os mitos são criados como o tempo, com as funções de explicar e caracterizar as comunidades, desde o início do livro mostra a necessidade de apagar ou anular os mitos antigos e medievais; depois os mitos da cultural indígena e finalmente, os mitos que contribuíam com a idéia de superioridade dos europeus sobre os brasileiros. Surgem os heróis nacionais: Felipe dos Santos, resistindo ao despotismo dos colonizadores; fugas heróicas dos escravos e formação dos quilombos; os inconfidentes e as mulheres que os acompanharam; Aleijadinho, e outros artistas; Chico Rei e sua corte de resistência pacífica.
            A historiografia positivista exige do historiador imparcialidade absoluta baseada em documentos oficiais. Carlos Góis se baseia em fatos reais narrados em forma literária. É bela a forma como ele conta as histórias. Podemos dizer que “História da Terra Mineira” tem dois sentidos estéticos. A alegria e o prazer do narrador que quer passar ao leitor a mesma satisfação. Para tal contou com a excelente participação do artista plástico F Borgeti que confere dramaticidade aos fatos. O narrador fala da satisfação do povo do Arraial do Tijuco com a proclamação da independência. Enquanto uns davam vivas à liberdade e à independência outros faziam uma fogueira e queimavam o livro da capa verde, estatuto da cruel ditadura colonial, visualizado pelo expressivo desenho de Borgeti


Queima do livro da Capa Verde - Borgetti

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