Por Antônio de Paiva
Moura
GÓIS, Carlos. História da Terra Mineira [1913]. Belo Horizonte: Paulo Azevedo
& Cia. 1942. Ilustrado por F Borgeti
O
autor
Carlos Fernandes Góis nasceu no Rio
de janeiro em 1881 e faleceu em Petrópolis, em 1934. Formou-se em direito pela
Escola de Direito de Belo Horizonte. Em seguida foi nomeado promotor público na
comarca de Muzambinho MG, onde acumulou as funções de professor e promotor
público. Ao ser aprovado em primeiro lugar em concurso de “lente catedrático de
português” do Ginásio Mineiro, deixou o ministério público e transferiu-se para
Belo Horizonte. Como professor escreveu, em 1912 o livro “Método de Análise:
léxico e lógica”, que se tornou indispensável nos estudos da língua portuguesa,
tanto nas escolas públicas quanto particulares. Em 1917 publicou obra
intitulada “Pontos de História do Brasil para o Estado de Minas Gerais” e no
mesmo ano “Pontos de Geografia para o Estado de Minas Gerais”. O certo é que em
vida teve 32 obras publicadas, versando sobre dramaturgia, poesia,
historiografia, lingüística e gramática. Carlos Góis inaugurou a cadeira n. 11
da Academia Mineira de Letras, em 1911 e foi membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Minas Gerais.
A
obra
No prefácio da primeira edição
(1913) o autor fala do sentido epistemológico da obra destinada a alunos e
professores do primeiro e do segundo graus de ensino, isto é, idéias de como o
autor percebe a disciplina, servindo de subsídios para a compreensão, análise e
reflexão por parte dos professores que se dedicam ao ensino da História e que
estão preocupados com os seus resultados. Diz textualmente:
O plano do presente livrinho começou a
formar-se em nosso espírito, quando nos capacitamos de que é nosso dever
ensinar as crianças, sob forma pitoresca de contos, a história retrospectiva
desta grande porção do Brasil que é Minas Gerais. [...] Um povo só pode ter
consciência de sua nacionalidade, quando se orgulha de seu passado e suas
tradições. [...] A literatura infantil de contos da carochinha, de histórias do
outro mundo, de abusões e fantasmagoria é tudo quanto pode haver de mais nocivo
ao espírito das crianças. Fazem-nas supersticiosas, medrosas e pusilânimes. A
literatura infantil tem o dever de ser sadia e forte, de ser nacional, local e
regional.
É interessante notar que Carlos Góis
publicou esse livro 16 anos antes do surgimento da Escola dos Analises de Marc Bloch
e Lucien Febvre, em 1929. Em seu tempo estava em moda no Brasil o ideal
positivista de narração historiográfica, isto é, textos engessados, duros e sem
sabor. Queriam chegar a uma verdade absoluta. Por isso uns autores viviam
contestando os outros. Marc Bloch tentando responder a um
jovem a indagação de para que serve a historia, assim termina a resposta. Falei
ao jovem:
Posso até não saber de sua real serventia! Só sei, que a estudo
por que ela me causa um imenso prazer, o prazer de conhecer, o prazer do
saber.” E no outro dia lhe levei estas sábias palavras de São Bernardo de
Claraval, Sobre o cantar dos cantares, Sermão 36, III. “Há quem busque o saber
pelo saber: é uma torpe curiosidade. Há quem busque o saber para se exibir: é
uma torpe vaidade. Há quem busque o saber para vendê-lo: é um torpe tráfico.
Mas há
quem busque o saber para edificar, e isto é caridade. E há quem
busque o saber para se edificar, e isto é prudência.
O livro “História da terra mineira”
tem uma sequência fatual muito fiel à cronologia que vai desde as primeiras
expedições até a independência do Brasil. É um dos primeiros a valorizar a
resistência negra nos quilombos, como o “Mártir Isidoro”, a arte dos mulatos e
os trabalhos arqueológicos e paleontológicos de Doutor Peter Lund em Lagoa
Santa.
Prisão do mártir Isidoro - Borgetti |
Fernão Dias Paes Lema, o governador
das esmeraldas e Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, são apresentados como
homens estudados e preparados. Por isso não acreditaram nos mitos indígenas
devoradores de homens brancos. Fernão Dias, da mesma forma que Ulisses, não
acreditou na lenda de que Uiara habitante da lagoa do Vupabuçu atraia e
devorava quem tentasse extrair as esmeraldas na Serra Resplandecente. Esse mito
havia sido criado pelos índios para proteger a natureza no interior de seu
habitat. Os índios de Goiás achavam que Anhanguera tinha poderes sobrenaturais
ao vê-lo atirando com espingarda. Por isso, com medo retiraram-se das minas de
ouro deixando-as à disposição dos portugueses. Mário de Andrade, na novela
“Macunaíma: o herói sem nenhum caráter”, no final, por sua ignorância, o
personagem é atraído por Uiara e acaba sendo devorado por ela. Carlos Góis,
sabendo que os mitos são criados como o tempo, com as funções de explicar e
caracterizar as comunidades, desde o início do livro mostra a necessidade de
apagar ou anular os mitos antigos e medievais; depois os mitos da cultural
indígena e finalmente, os mitos que contribuíam com a idéia de superioridade
dos europeus sobre os brasileiros. Surgem os heróis nacionais: Felipe dos
Santos, resistindo ao despotismo dos colonizadores; fugas heróicas dos escravos
e formação dos quilombos; os inconfidentes e as mulheres que os acompanharam;
Aleijadinho, e outros artistas; Chico Rei e sua corte de resistência pacífica.
A historiografia positivista exige
do historiador imparcialidade absoluta baseada em documentos oficiais. Carlos
Góis se baseia em fatos reais narrados em forma literária. É bela a forma como
ele conta as histórias. Podemos dizer que “História da Terra Mineira” tem dois
sentidos estéticos. A alegria e o prazer do narrador que quer passar ao leitor a
mesma satisfação. Para tal contou com a excelente participação do artista
plástico F Borgeti que confere dramaticidade aos fatos. O narrador fala da
satisfação do povo do Arraial do Tijuco com a proclamação da independência. Enquanto
uns davam vivas à liberdade e à independência outros faziam uma fogueira e
queimavam o livro da capa verde, estatuto da cruel ditadura colonial,
visualizado pelo expressivo desenho de Borgeti
Queima do livro da Capa Verde - Borgetti |
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