quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Meninos prodígios, de Izabelle Souza Assis


         O livro Meninos prodígios reúne dois contos de Izabelle Souza Assis. “A história de Camila” e  “Os loucos sábios”
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A “História de Camila” é um conto infantil, de caráter urbano, de fundo psicológico e filosófico. Ao terminar a obra, em 2010, a autora tinha apenas treze anos. Nascida e residente em um bairro industrial e comercial de Belo Horizonte.
A narradora, Camila é também uma garota de treze anos, mas mora no Rio de Janeiro. A escolha do Rio de Janeiro como palco do episodio dá ao conto um caráter cosmopolita e amplia a significação do mesmo.
No início a narradora se coloca em um morro carioca, na condição de jovem, nascida de pais imaturos, ávidos de vida alegre e festiva, mas sujeitos às dificuldades próprias das favelas. A autora surpreende pela capacidade de tipificar os personagens; descrever o ambiente, a sociedade e as tramas da vida. Fala do pai como elemento jovem, divorciado e farrista, enquanto o avô era homem Inteligente, experiente e digno. A narradora, ainda criança, tinha conhecimento de seus problemas sociais e existenciais, que revela a sua precocidade. Presenciou o pai sendo assassinado por um traficante de drogas e com a arma do morto foi capaz de matar o traficante. O dramático acontecimento deixou a garota muito perturbada. Foi ai que, quase sozinha no mundo começou a beber e a usar drogas.
Para adquirir as drogas Camila era capaz de praticar ações ilícitas e delitos. Sentia-se prisioneira do vício e perdia a estima pela vida. As convulsões e alucinações a levam à tentativa de suicídio. Nos momentos de lucidez falava da existência humana como se tivesse uma vida adulta muito conturbada.
Internada em uma clínica de recuperação Camila surpreende o terapeuta com diálogo de alto nível. Revela a ele que acha a clínica um lugar ascético, incapaz de proporcionar prazer o desgosto: Se eu fosse uma árvore, aqui seria o lugar perfeito. Dependendo do momento e da pessoa poderia ser considerado um inferno ou um paraíso. É certo que cada uma faz seu próprio paraíso. Diz ainda que a injustiça existente no mundo era em decorrência da sociedade dividida em classes. No debate com o terapeuta Camila tem a ousadia de contrapor a ele o conceito de inveja que não é só o desejo de ser e de ter as coisas, mas o desejo de destruir o outro. Reprova as conclusões apriorísticas, pois não se pode ter certeza mesmo depois do debate. Na verdade, sempre gostei de criticar. A clínica não tem solução para meus problemas, de vez que eles são coisas que se aprende com a vida. Confesso que tenho medo de não suportar as pessoas de visão pequena
Se as drogas simbolizaram as algemas que conduziram Camila à clínica, o sair de lá simbolizou sua libertação, porque se desvencilhou dos grilhões que aprisionavam a consciência.
O renascimento de Camila começa com a reflexão de que a passagem da fase infantil para a adolescência representou uma perda da sensação de proteção e comodidade. Mas ao mesmo tempo se situa no mundo e achava a vida bela. A autora nos faz lembra “A importância de viver” do autor chinês Lin Yutang. Para apreciar as coisas simples da natureza é necessário ser livre. A beleza do conto de Izabelle, A história de Camila está no seu desfecho final: a descoberta da importância de viver. Sou como o vento. Se você me olhar, nada verá, mas poderá sentir. Quem não é livre não pode ver e nem sentir.
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No conto “Os loucos sábios” a autora Isabelle Souza Assis, de início dá a impressão de que a narrativa será na primeira pessoa, mas já adiantada na escritura nomeia o personagem Benjamim como narrador. Até o final do conto Benjamim é uma incógnita, quanto à sua idade e quanto ao seu papel no grupo que se forma: Will, Felipe, Gabriel, João e Pedro e Noely; Nesse conto há uma forte presença masculina.
A autora contempla a natureza de modo privilegiado, de vez que a mesma é tratada com toda a reverência, contemplando com prazer os elementos circundantes, como a cachoeira emoldurada por uma mata; o sol nascente; o vento que sopra. Mas a alma humana ferve com os problemas da vida e a dificuldade para entender a mente humana. Para superar as dificuldades humanas a autora cria um discurso mágico como o realismo fantástico de Gabriel Garcia Marques, em Cem anos de solidão; Murilo Rubião, em o Ex-mágico da taberna minhota, no qual o absurdo penetra na realidade e nos convida à reflexão; Franz Kafka, com A metamorfose, que nos comove com o sofrimento de um jovem que se transforma em uma barata. Como no Romantismo do Século XIX, surgiu na Inglaterra e nos EUA uma tendência literária  sustentada pelo ambientalismo e pelo aquecimento global, como nas obras de Ian McEwan e de Jonathan Franzem, que tomam o sentimento ecológico como indicador de pureza de intenções.  Não quero insinuar que Isabelle tenha recorrido a qualquer uma dessas obras, mas afirmar que ela foi capaz de adotar uma forma de expressão muito eficiente de expressão literária.
A sociedade contemporânea, com seus desvios e mazelas, vem à tona com a morte e fuga dos adultos. Os adultos de meia idade não são confiáveis de vez que é deles que vêm os vícios da embriaguês; uso do ópio ilícito; da pedofilia, do latrocínio e de toda sorte de atrocidades estampadas nas paginas diárias dos jornais. Para interpretar e compreender o mundo contemporâneo o grupo de crianças prefere viver seu mundo à parte, excursionando em cavernas distantes; investigando os fenômenos paranormais. É isso que a autora quis dizer com o vocábulo loucura. Através da poesia do livre pensar, tenta uma incursão na alma de cada personagem e na alma do ser humano contemporâneo.

Antonio de Paiva Moura
Professor de história da arte da Escola Guignard – UEMG

A autora, apresentada por Marlene de Moura Teixeira.

Izabelle de Souza Assis nascida em Belo Horizonte, no dia 3 de agosto de 1997 é uma garota que consegue dar conta de sua existência com rara força de expressão. Admirável é sua vocação para a atividade literária. Conta a sua mãe que aos nove anos de idade, viajando de trem de Belo Horizonte para Vitória esteve todo o tempo escrevendo poemas. Além da prosa ela tem uma enorme quantidade poemas escritos. Onde Izabelle teria encontrado tanta inspiração e aptidão para escrever.. O avô materno vive na cidade de Bonfim, a 90 quilômetros de Belo Horizonte e é sitiante na comunidade de Vargem Alegre, onde Izabelle passou algumas férias. Seus pais são pequenos industriários na região metropolitana de Belo Horizonte. Os contos História de Camila e Os loucos sábios, escritos em 2010, têm como personagens crianças em interação com os adultos, sofrendo as pressões próprias da época contemporânea. Eles estão atentos aos problemas existenciais e ecológicos. A jovem autora contempla a natureza de modo privilegiado, tratando-a com toda a reverência e explicitando a necessidade de preservá-la. Izabelle é uma autora de bem com a vida: Na concepção dos seus personagens a escola é lugar prazeroso de se viver. É lugar orientador do gosto estético, da iniciação científica e da boa convivência social.



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