Belo Horizonte na memória de Pedro Nava.
NAVA,
Pedro. Beira-mar: memórias 4. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
Antônio
de Paiva Moura
“Beira-mar”, o quarto volume das
memórias do médico e escritor mineiro Pedro Nava, aborda o período em que ele
estudou medicina na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, de 1921 a 1927.
Conta como ingressou no serviço público por meio de uma carta de Afonso Pena
Júnior ao senador, monsenhor João Pio, na Diretoria de Higiene do Estado de
Minas Gerais.
Para melhor situarmos a obra
memorialista “Beira-mar”, de Pedro Nava, é necessário recapitular a história da
Primeira República brasileira, de 1889 a 1930. As oligarquias rurais e os
militares encontravam-se insatisfeitos com o poder monárquico. É significativo
o fato de que o primeiro a proclamar a República foi um advogado José do
Patrocínio, mas os militares o jogaram para escanteio e fizeram nova
proclamação. O poder político da união, dos estados e dos municípios, foi
exercido pelos grandes possuidores de terras e agricultura de exportação. Nas
décadas 1920 e 1930 houve um crescimento das cidades o que possibilitou o
surgimento de uma elite intelectual e uma inquietação cultural e política,
revelada na Semana de Arte Moderna de São Paulo, na Revolução Tenentista e na
Coluna Prestes. Foi nessas décadas que o movimento modernista europeu exerceu
forte influência no Brasil. A elite intelectual se esforça em remover o
conservantismo, buscando uma nova forma de expressão artística e literária.
Poetas e prosadores passam a ter
mais liberdade ao abordar assuntos, até então, velados por preconceitos e
cânones artísticos. Na linguagem modernista entram em cena novos personagens
como negros, operários, funcionários públicos, mulheres, pessoas pobres e
estudantes. É nesse novo ambiente social
e cultura que aparece o estudante de medicina Pedro Nava. Ele já pode, por
exemplo, revelar a intimidade do quarto de dormir em que quatro estudantes se
encontravam para estudos preparatórios de provas na faculdade. Entre expressões
de conhecimento e decoreba de fórmulas químicas, havia muitas pausas para
comentar os detalhes do corpo e qualidades eróticas de uma mulher, conhecida na
intimidade pelo grupo.
No primeiro capítulo “Bar do Ponto”,
Nava faz uma bela toponímia da cidade. A Rua da Bahia, esquina com Avenida
Afonso Pena era o ponto mais agitado e transitado. Havia ali o abrigo de bonde
e próximo a ele, o Bar do Ponto. Era aí que corriam as notícias e as fofocas
atualizadas. O viaduto de Santa Tereza, o Café Estrela, a casa comercial
Giacomo. Na Rua da Bahia, esquina com Avenida Álvares Cabral era o Clube Belo
Horizonte. Nava diz que aí era a “ilha das finas donzelas da sociedade;
primeiro chamado pudicamente de Clube das Violetas e lugar dos bailes
elegantes”. No esconso das noites
comuns, é tomado pelo barulhinho das fichas nervosamente chocalhadas pelos
jogadores. Há, ainda, a celebridade da Rua dos Guaicurus, que era um pedaço de
Marselha jogado no sertão. Lá estava o cabaré da Madame Olímpia e seu portão só
aberto aos coronéis, de patente ou só de dinheiro, em contraste com os
depenados estudantes que se socorriam no “Curral das Vacas”. No terceiro e no
quarto capítulos de “Beira-mar”, Nava contempla mais dois logradouros de seu
trânsito diário: a Av. Mantiqueira, atual Alfredo Balena e Niquelina, em Santa
Efigênia.
Conciliando boemia com estudos e
trabalho, Nava passa a conviver com escritores, jornalistas e estudantes de
outras áreas. É assim que vai visitar a família Machado onde se encontra com
Lucas, Aníbal e Cristiano admirando a especialidade da biblioteca de cada um
deles. Todos os irmãos Machado tornaram-se celebres na história de Minas
Gerais. A partir dai faz contatos pessoais e por correspondência com os jovens
escritores e colabora com a “A Revista”, primeiro periódico modernista de Minas
Gerais; frequenta clube de dança, cinema, teatro e bares do Cetro da Cidade.
Dessa convivência de Pedro Nava com as celebridades, guardada em sua memória,
externada em “Beira-mar”, vem a público uma verdadeira antologia da literatura
modernista em Minas Gerais e no Brasil.
Registra um aumento da liberdade
feminina e adoção de modas em roupas, calçados, chapéus e cortes de cabelo,
influenciadas pelo cinema americano. Adoção do vestido “tomara que caia”,
obrigando-as a depilação das axilas. As saias subiram até os joelhos e chapéus
desceram até as orelhas. Os homens variando nas formas dos casacos, camisas e
chapéus. O paletó jaquetão, mais comprido e mais solto no corpo e o chapéu de
panamá.
A informalidade dos governadores do
Estado, Raul Soares de Moura, Fernando Melo Viana e Antônio Carlos Ribeiro
Andrade, que andavam a pé pela cidade; biografias de escritores, poetas,
cientistas como Aurélio Pires, Zoroastro Passos e Borges da Costa.
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