Este artigo foi publicado em
2011. Seis anos depois ele mostra sua atualidade. Trata-se de questão
fundamental e que já abordamos aqui no nosso blog. Vale a pena conferir.
Literatura brasileira vende
pouco, muito pouco, não apenas mundo afora, como lamentam grandes publishers
patrícios, mas aqui mesmo, onde o big business editorial torra centenas de
milhares de dólares no pagamento de advance para adquirir os direitos de um
best-seller estrangeiro; aqui mesmo, onde é impossível encontrar romances
nacionais em listas de mais vendidos. É a lógica do mercado, diriam os
fundamentalistas da relação custo-benefício, aqueles para quem a indústria
editorial trabalha com um produto "como qualquer outro" e quem não
entende isso é um desprezível “conteudista". São esses adoradores do lucro
a qualquer custo que decidem hoje o que o grande negócio do livro publica ou
deixa de publicar. São eles que não prestam a menor atenção a quem faz
literatura aqui, no Brasil, mas estão empenhadíssimos em vender literatura
brasileira lá fora. Uma maneira patriótica de garantir um troco extra.
Os escritores brasileiros -
refiro-me a quem faz literatura entendida como “a articulação livre dos
sentimentos e pensamentos dos seres humanos, transcendendo essencialmente a
utilidade prática", na definição contida em brilhante texto de Gao
Xingjian, Nobel de Literatura de 2000, publicado no suplemento Sabático deste
jornal (8/8) -, os autores que se dedicam a investigar e interpretar a alma do
povo brasileiro e a contribuir com sua arte para a nossa formação e o nosso
enriquecimento cultural, esses escritores são relegados a um papel
absolutamente secundário no mercado editorial brasileiro. Literatura adulta,
incluindo as obras traduzidas, é responsável por pouco mais de 5% do total de
vendas de livros no País, segundo pesquisa da FIPE feita periodicamente para as
entidades livreiras.
Pode-se argumentar que livros que
se enquadram na categoria "literatura adulta" - e aí se incluem todos
os grandes clássicos da literatura universal - vendem pouco em qualquer lugar
do mundo. É uma verdade muito relativa, que deve ser considerada à luz de um
fenômeno universal relativamente recente: o predomínio da razão de mercado
também na indústria editorial. Fenômeno que se manifesta de maneira mais
perversa ainda em países culturalmente frágeis, como é o nosso caso.
Ensina a teoria literária que
para se configurar plenamente como sistema articulado, na expressão de Antonio
Candido, a literatura depende da interação dinâmica de três elementos: autor,
obra e público. Em outras palavras, não existe literatura sem leitor. Quem faz
a mediação física entre o autor e o leitor, por intermédio da obra, é a
intervenção conjunta editora-livraria. Mas tanto uma quanto a outra tendem a
ignorar a obra literária porque prevalece no mercado editorial um falso
silogismo: o que não vende bem não se publica; literatura brasileira não vende
bem; logo, literatura brasileira não se publica.
É falsa a premissa maior de que
livro que não vende bem não pode ser publicado. Ela traduz apenas a ganância de
quem acha que livro só serve para fazer dinheiro. E é falaciosa a premissa
menor, a de que literatura brasileira não vende. Não vende, na verdade, na
medida em que a ganância do mercado desvia para promessas mais atraentes e
imediatas de lucro investimentos editoriais que poderiam, pelo menos em parte,
ser destinados a ampliar o mercado da literatura. Porque a função principal do
editor é exatamente esta (e vale, é claro, para tudo, não apenas para
literatura): prospectar bons conteúdos e depois contar com os marqueteiros para
resolver o problema de como transformá-los em livros vendáveis. Os marqueteiros
existem exatamente para isso, essa é a importante e difícil atividade-meio que
lhes cabe, não a de decidir o que deve ou não ser publicado.
É mais comum do que se imagina
uma grande editora torrar mais de US$ 100 mil na aquisição dos direitos de
publicação de best-sellers estrangeiros. No mercado internacional é conhecida a
voracidade com que editores brasileiros disputam entre si qualquer título que
tenha passagem pelas listas de mais vendidos do jornal The New York Times. Esse
título no qual se investe, logo de saída, um mínimo de cerca de R$ 170 mil de
adiantamento e, logo depois, o custo de uma primeira tiragem de 20 mil, 30 mil
exemplares vai exigir ainda pesadas despesas de propaganda e divulgação
comercial, além de extremamente dispendiosos acordos com as livrarias para
garantir uma primeira venda ou consignação que satisfaça a necessidade de uma
boa exposição de pilhas do livro. Às vezes dá certo.
É assim que funciona a produção
de best-sellers. É assim que as grandes editoras comerciais fazem dinheiro. É a
lógica do mercado do livro impresso e seria ingênuo imaginar que algo possa
mudar, até onde a vista alcança. Mas essa realidade demonstra claramente o
seguinte: dinheiro não falta. O que falta é a vontade de investir também em
conteúdos que enriqueçam qualitativamente o acervo bibliográfico nacional. Por
exemplo, abrindo espaço para a literatura brasileira. Uma reivindicação justa,
considerando que o negócio do livro é isento de impostos a partir do
pressuposto de que trabalha com um produto diferenciado essencial para a nossa
formação cultural.
Quartim de Moraes -
Jornalista e Editor – Artigo publicado no Jornal “O Estado de S. Paulo,
24 de outubro de 2011.
(fonte: http://cenasecoisasdavida.blogspot.com.br/2011/11/literatura-brasileira-pede-passagem.html)
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