quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Grandes escritores brasileiros do passado: Bernardo Guimarães

Nada como dar espaço para nossos grandes escritores do passado... e o espaço está aberto a quem desejar contribuir com resenhas ou comentários críticos, a exemplo deste que publico hoje.



Bernardo Guimarães e O Ermitão do Muquém
                                                          
                                                           Antônio de Paiva Moura

O romance de Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, (1825-1884), “O Ermitão do Muquém”, foi escrito em 1858 e publicado em 1866, no jornal “Constitucionalista”, de Ouro Preto.  São Tomé do Muquém é distrito de Niquelândia, Norte de Goiás, tendo surgido em 1740, com mineração de ouro. A Festa de Nossa Senhora da Abadia ocorre na primeira quinzena de agosto e atrai cerca de 200 mil romeiros. Bernardo Guimarães foi juiz municipal de órfãos de 1852 a 1854 em Catalão, GO, onde colheu dados para o romance. 


 O personagem principal é Gonçalo que vive no arraial do Muquém, no sertão de Goiás. A romaria em volta da capelinha de Nossa Senhora da Abadia dá ao lugar um caráter medieval. Quando jovem, Gonçalo, que era aventureiro e valente, acaba matando seu amigo, por causa de uma bela moça de nome Maroca. Fugindo da polícia acaba prisioneiro dos índios Xavantes e passa a ser chamado de Itajiba. Guaraciaba, filha do cacique apaixona-se por Itajiba e o salva de ser assado em um churrasco. Maroca se enlouquece e vegeta em companhia de seus pais. Vinte anos depois Guaraciaba morre. Itajiba volta para Muquém. Lá se encontra com Maroca que havia se curado da loucura por milagre de N.S da Abadia. Agora, novamente com o nome de Gonçalo, casa-se com Maroca e passa a ser o ermitão da capela de N.S. da Abadia. 
Na introdução de “Ermitão do Muquém” Bernardo Guimarães procura esclarecer que a obra se baseia nas tradições reais conhecidas na província de Goiás, representando a vida dos homens do sertão, seus folguedos ruidosos; seus costumes licenciosos; seu espírito de valentia e suas rixas sanguinolentas.  Diz que na época que escreveu tal romance (segunda metade do século XIX) os sertanejos conservavam hábitos existentes nos séculos anteriores: Mas deve-se refletir que só nas cortes e nas grandes cidades que os costumes e usanças se modificam e se transformam de tempos em tempos, movidos pelo espírito da moda. Gonçalo, o herói do romance passa por três situações distintas, mas em todas elas é movido pelas tradições, embora não exista semelhança entre e uma e outra. Da sociedade tosca do sertanejo, Gonçalo passa a viver na selva, em meio a indígenas. Na terceira fase ele passa a viver sob os desígnios do misticismo cristão. Nessa última fase o autor muda o tom lírico da visa selvagem para o grave e trágico da loucura de Maroca e compenetração de Gonçalo.
Gilberto Freire, em análise do culto a Nossa Senhora no Brasil, que é maior que o do próprio Cristo, diz que ele ocorre em função do excesso de patriarcalismo em nossa formação, associado com o despotismo e a tirania do homem sobre a mulher, do pai sobre o filho, do senhor sobre o escravo e do branco sobre o preto. Bernardo Guimarães que foi Juiz de Direito na região do romance, conhecia e sentia as questões ideológicas e psicológicas daquele meio social. Segundo Lukács o conteúdo do romance consiste na estória da pessoa que entra no mundo para aprender a se conhecer, procura aventuras para se por à prova e, através dessa prova, encontra a sua medida e constata a sua própria essência
Como em “História e tradições na província de Minas Gerais”, Bernardo Guimarães declara que a história da Romaria do Muquém e de seu ermitão Gonçalo foi contada a ele por um romeiro, tendo início em um pouso de tropeiros e de romeiros, nas campinas graciosas do município de Patrocínio, à margem do Rio São João.  Era costume os romeiros viajarem em caravanas por causa dos perigos reinantes nas estradas dos sertões. Nos pousos os romeiros passavam o tempo contando histórias e casos verídicos uns aos outros. Por isso, Bernardo dividiu “O hermitão do Muquém” em pousos e não em capítulos a jornada do herói.
A história de Gonçalo é comovente porque carrega aquilo que o mitólogo Joseph Campbell chamou de “jornada do herói”. Ao estudar mitos de variadas culturas, ele notou que em todos eles há uma similitude: alguém especial sofre um contra-tempo ou dispõe-se a uma tarefa; tem de partir voluntariamente ou não; sofre muito para realizar o que precisa e tem uma volta triunfal. Todo ser humano é chamado para uma jornada heróica. Nesse chamado lhe é apresentado um caminho, ou uma meta a ser cumprida, dita “jornada do herói”, que se constitui de quatro etapas: o chamado, a iniciação, a travessia, a apoteose e o retorno. Gonçalo passou por todas essas etapas que culminou com a glória de ser o ermitão do santuário do Muquem e de se casar com Maroca.
Os viajantes estrangeiros que percorreram o território do Brasil no século XIX fizeram excelentes retratos antropológicos e etnográficos da sociedade brasileira. Bernardo Guimarães e Afonso Arinos, na mesma época foram escritores viajantes. Com intenção ficcional pintaram belos retratos de nossa gente e nossas paisagens. Guimarães Rosa não deixa de ser herdeiro da tradição de andar a cavalo e escutar histórias de sertanejos.

Antônio de Paiva Moura é mestre em história pela PUC-RS e professor de história da arte da  Escola Guignard UEMG



Um comentário:

  1. O sertão e suas histórias.O misticismo, o amor e loucura, as lutas do "herói" temido por todos. A travessia.
    Uma narrativa de neologismos.
    Que me faz lembrar o sertão roseano- de Guimarães Rosa.

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