(artigo publicado em 2015 por Ricardo Silva - ver link ao final)
O quase centenário intelectual brasileiro Antônio Cândido é uma dessas sumidades das nossas letras. Considerado por este que aqui escreve como um dos maiores – para não dizer maior – crítico literário brasileiro, Cândido é responsável por obras seminais da crítica e teoria literária produzida no país. Convidado para escrever uma obra coletiva a ser editada na Itália como comemoração ao quinto centenário da “descoberta” da América, o crítico compôs um resumido guia histórico da literatura brasileira. Como o projeto não vingou, o resumo tomou forma e se transformou, após algumas alterações, nesse “Iniciação à Literatura Brasileira” (Ouro Sobre Azul, 2010).
As
discussões a respeito da história da literatura brasileira são vastas,
amplas e profundas. Não podendo, portanto, ter critérios absolutamente
válidos para fazer uma definição cabal dos meandros que perpassam todo o
processo de construção histórico da nossa literatura. O livro de
Cândido, tampouco, se arvora desse pressuposto definidor. O que
encontramos nas pouco mais de 130 páginas do resumo, é uma divisão
sucinta – uma introdução – dos principais períodos pelos quais passou a
nossa literatura: desde dos primeiros documentos e textos confeccionados
já em terra recém “descoberta”, que contam com forte influência
europeia – influência essa que perdura ainda em diversos aspectos da
produção literária nacional -, até os escritores modernos, com poucas
alusões a importantes nomes do cenário dos anos 2000 nas nossas letras –
o que vai além de uma simples introdução.
O livro é dividido em três momentos.
1) “Manifestações literárias”:
momento que vai do século XVI a meados do século XVIII e é fortemente
marcado pela transposição de modelos literários já consolidados nos
sistemas da literatura europeia, e que aqui teve múltiplas funções como
política, religiosa e profundamente social. Ou seja, não houve, em
terras brasileiras, o nascimento de uma literatura brasileira. O que
aconteceu foi uma transformação a medida que uma nova sociedade também
tomava corpo. É desse período que temos os escritos do “patriarca da
nossa literatura: José de Anchieta (1534-1597)”. Anchieta é responsável
pelo primeiro livro produzido no país e também por ser um dos raros a
compor peças exclusivamente literárias em quatro línguas – português,
espanhol, latim e tupi -, muitas vezes mesclando-as. O religioso também
foi o provocador da valorização do tupi, o que gerou nas autoridades da
época medidas de proibição do uso da língua indígena. Esse é o período
em que as crônicas de viagem, escritos religiosos e a “literatura de
senhores” predominaram quase que absolutamente. A exceção desse momento
vem de Gregório de Matos que, porém, não fugiu dos moldes da tradição
europeia na produção de sua obra.
2) “Configuração do sistema literário”:
se no primeiro ainda não tínhamos um sistema propriamente dito, nesse
segundo momento – que vai do século XVIII até o final do Romantismo –
temos os esboços de um sistema literário melhor desenhado. É a partir
daí que temos uma produção intelectual em terras brasileiras, onde as
primeiras manifestações de intelectuais da colônia começam a florescer.
Cândido pincela rapidamente as obras e escolas dessa época, como o
Arcadismo e o Romantismo, destacando as diversas transformações
sociopolíticas, e também de alguns movimentos pouco preponderantes, como
o Indianismo, que o professor Cândido chama de “um fenômeno de
adolescência nacionalista na literatura brasileira”. É aqui nesse
momento que temos o primeiro reconhecimento de uma literatura brasileira
completamente separada de Portugal, indicado pela obra “Résumé de l’Histoire Littéraire du Brésil”
do crítico francês Ferdinand Denis. No mais, Antônio Cândido desfila
uma série de obras e autores importantes para a configuração do nossos
sistema literário: Basílio da Gama, Tomás Antônio Gonzaga, Sousândrade,
Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Visconde de
Taunay, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães e o maior nome da
ficção brasileira dessa época, José de Alencar, para citar alguns. É,
então, com essa base, que o sistema então se consolida.
3) “O sistema literário consolidado”:
a obra do escritor que definiu essa consolidação foi a de Machado de
Assis, o maior nome das nossas letras. Foi graças a obra desse gigante,
que o nosso sistema literário tomou características maduras e pode
andar, até certo ponto, com suas próprias pernas: “Sua obra é variada e
tem a característica das produções eminentes: satisfaz tanto aos
requintados quantos aos simples. Ela tem, sobretudo, a possibilidade de
ser reinterpretada à medida que o tempo passa, porque, tendo uma
dimensão profunda de universalidade, funciona como se se dirigisse a
cada época que surge”. É nessa parte de seu resumo que a límpida escrita
de Cândido toma cores mais fortes e delineadas. Nos é apresentado o
rico leque da nossa literatura, com grandes nomes do Realismo, do
Modernismo, e as principais e mais relevantes obras desse período.
A pequena
obra, em tamanho, do professor Antônio Cândido serve como uma das mais
adequadas, cultas e intelectualizadas introduções ao profícuo universo
da literatura nacional. Uma obra necessária não somente para estudantes
da academia, mas também para curiosos sobre as peculiaridades da
formação da nossa tradição literária.
(fonte: https://roedordelivros.wordpress.com/2015/10/29/introducao-a-literatura-brasileira-antonio-candido/)
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