"Antes da Queda" poderia ser só mais um thriller, mas não é.
Poderia (e imagino que será, algum dia) facilmente ser roteirizado para o
cinema, para um suspense cheio de ação. A sinopse: um jatinho particular de
luxo cai com 11 pessoas dentro. Duas sobrevivem. Investigações começam para
tentar descobrir o que causou a queda. Falha mecânica? Falha humana? Um atentado
terrorista?
(Lembra alguma notícia recente, não?)
Mas o mais legal desse suspense-ação sobre um avião que cai logo nas
primeiras páginas (ou poderia cair nos primeiro minutos do blockbuster) é que o
autor, Noah Hawley, não se atém ao esperado para o gênero. Ele acrescenta
muitas reflexões interessantes, de todos os tipos – e a maior e mais frequente
delas é sobre o jornalismo espetacularizado, sobre programas de TV que misturam
reportagem a entretenimento, sobre a ultraexposição de personagens de tragédias
(e temos vivido tantas tragédias no Brasil, que fica fácil transportar para
nossa realidade). Sobre, em última instância, como o consumidor de notícias não
necessariamente está interessado nos fatos, na verdade, mas no espetáculo, no
que "dá audiência", "dá clique", "dá leitura".
Trata-se de uma discussão maravilhosa para entusiastas do jornalismo
(como eu). O que é realmente interesse público, quando se trata da cobertura de
uma grande tragédia? O que é mero entretenimento?
O livro aprofunda (ou afunda) ainda mais a discussão, ao tratar das
maneiras antiéticas com as quais alguns jornalistas/jornais trabalham –
lembrando os vários tabloides ingleses que já foram pegos grampeando telefones
etc.
Mas, mesmo que você não seja diretamente interessado em discussões sobre
o fazer jornalístico, certamente vai se entreter muito com essa leitura.
Porque, pra melhorar, "Antes da Queda" é muito bem escrito, muito bem
construído. Ele intercala a ordem cronológica das coisas com breves históricos
dos principais personagens, o que: 1) cria pausas longas até a continuação da
narrativa, no capítulo seguinte, nos levando a querer ler rápido para descobrir
o que vai acontecer; 2) permite que a gente vá conhecendo melhor o passado dos
personagens, o que vai, ao mesmo tempo, trazendo informações reveladores para o
mistério do presente. Essa técnica narrativa faz com que a gente fique preso ao
livro o tempo todo e deixa a leitura muito ágil.
Sobre as reflexões que o autor faz, como comentei no início, o bacana é
que elas invadem o texto sem pedir muita licença. E às vezes são verdadeiras
digressões – mas isso, não incomoda, pelo contrário. Dois trechos abaixo servem
de exemplo:
"Depois de ser alçada ao posto
de herói pelo resto da humanidade, a pessoa perde o direito à privacidade. Torna-se
um objeto despido de uma parte incalculável de sua humanidade, como se tivesse
ganhado uma loteria cósmica e acordado um dia como uma divindade menor. O
patrono da sorte. O que você queria para si para de importar. Tudo o que
importa é o papel que você tem na vida dos outros. Você é uma borboleta rara
levemente erguida no ângulo certo em relação ao sol."
"Um nascer do sol, uma rajada de
vento no inverno, aves voando e formando um V perfeito. Eram coisas que existiam.
A verdade visceral e sublime do universo era que elas existiam se as
testemunhássemos ou não. Majestade e beleza eram qualidades que projetávamos
nelas. Uma tempestade era apenas uma manifestação climática. Um nascer do sol
era simplesmente um padrão celestial."
Enfim, por tudo isso, "Antes da Queda" foi eleito por vários
veículos (como o "New York Times", por exemplo) um dos melhores
thrillers de 2016. Se você gosta de suspense com um quê cinematográfico e gosta
de notícias, certamente apreciará a leitura em dobro.
Antes da QuedaNoah Hawley
Tradução de Carolina Selvatici
Editora Intrínseca, 2017
366 páginas
De R$ 20 a R$ 34,90
(fonte: blog da Kika Castro)
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