quarta-feira, 27 de março de 2019

‘Antes da Queda’: para quem gosta de suspense e de refletir sobre o jornalismo



"Antes da Queda" poderia ser só mais um thriller, mas não é. Poderia (e imagino que será, algum dia) facilmente ser roteirizado para o cinema, para um suspense cheio de ação. A sinopse: um jatinho particular de luxo cai com 11 pessoas dentro. Duas sobrevivem. Investigações começam para tentar descobrir o que causou a queda. Falha mecânica? Falha humana? Um atentado terrorista?
(Lembra alguma notícia recente, não?)
Mas o mais legal desse suspense-ação sobre um avião que cai logo nas primeiras páginas (ou poderia cair nos primeiro minutos do blockbuster) é que o autor, Noah Hawley, não se atém ao esperado para o gênero. Ele acrescenta muitas reflexões interessantes, de todos os tipos – e a maior e mais frequente delas é sobre o jornalismo espetacularizado, sobre programas de TV que misturam reportagem a entretenimento, sobre a ultraexposição de personagens de tragédias (e temos vivido tantas tragédias no Brasil, que fica fácil transportar para nossa realidade). Sobre, em última instância, como o consumidor de notícias não necessariamente está interessado nos fatos, na verdade, mas no espetáculo, no que "dá audiência", "dá clique", "dá leitura".
Trata-se de uma discussão maravilhosa para entusiastas do jornalismo (como eu). O que é realmente interesse público, quando se trata da cobertura de uma grande tragédia? O que é mero entretenimento?
O livro aprofunda (ou afunda) ainda mais a discussão, ao tratar das maneiras antiéticas com as quais alguns jornalistas/jornais trabalham – lembrando os vários tabloides ingleses que já foram pegos grampeando telefones etc.
Mas, mesmo que você não seja diretamente interessado em discussões sobre o fazer jornalístico, certamente vai se entreter muito com essa leitura. Porque, pra melhorar, "Antes da Queda" é muito bem escrito, muito bem construído. Ele intercala a ordem cronológica das coisas com breves históricos dos principais personagens, o que: 1) cria pausas longas até a continuação da narrativa, no capítulo seguinte, nos levando a querer ler rápido para descobrir o que vai acontecer; 2) permite que a gente vá conhecendo melhor o passado dos personagens, o que vai, ao mesmo tempo, trazendo informações reveladores para o mistério do presente. Essa técnica narrativa faz com que a gente fique preso ao livro o tempo todo e deixa a leitura muito ágil.
Sobre as reflexões que o autor faz, como comentei no início, o bacana é que elas invadem o texto sem pedir muita licença. E às vezes são verdadeiras digressões – mas isso, não incomoda, pelo contrário. Dois trechos abaixo servem de exemplo:
"Depois de ser alçada ao posto de herói pelo resto da humanidade, a pessoa perde o direito à privacidade. Torna-se um objeto despido de uma parte incalculável de sua humanidade, como se tivesse ganhado uma loteria cósmica e acordado um dia como uma divindade menor. O patrono da sorte. O que você queria para si para de importar. Tudo o que importa é o papel que você tem na vida dos outros. Você é uma borboleta rara levemente erguida no ângulo certo em relação ao sol."
"Um nascer do sol, uma rajada de vento no inverno, aves voando e formando um V perfeito. Eram coisas que existiam. A verdade visceral e sublime do universo era que elas existiam se as testemunhássemos ou não. Majestade e beleza eram qualidades que projetávamos nelas. Uma tempestade era apenas uma manifestação climática. Um nascer do sol era simplesmente um padrão celestial."

Enfim, por tudo isso, "Antes da Queda" foi eleito por vários veículos (como o "New York Times", por exemplo) um dos melhores thrillers de 2016. Se você gosta de suspense com um quê cinematográfico e gosta de notícias, certamente apreciará a leitura em dobro.
Antes da Queda
Noah Hawley
Tradução de Carolina Selvatici
Editora Intrínseca, 2017
366 páginas
De R$ 20 a R$ 34,90


(fonte: blog da Kika Castro)

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