Novo título da Pequena
Biblioteca de Ensaios, disponível a partir de hoje para download gratuito. João
Adolfo Hansen nos oferece aqui uma reflexão aguda sobre a relevância dos
estudos literários hoje e o papel das humanidades em tempos de distorções históricas
e fake news. Nessa Aula Magna, realizada recentemente na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Hansen discorre sobre a realidade da ficção e mostra como a literatura é uma
experiência privilegiada para se entender a diferença crucial entre o
verdadeiro e o falso.
Acesso em http://www.zazie.com.br/pequena-biblioteca-de-ensaios
Acesso em http://www.zazie.com.br/pequena-biblioteca-de-ensaios
"Como professor de literatura, sempre trabalhei com dois tipos de
discurso, um deles constatativo, referente a um saber, um conhecimento, uma
competência e uma habilidade, ensinando literatura como estrutura linguística,
retórico-poética ficcional, e literatura como função de ou relação com outros
regimes discursivos da cultura, e literatura como comunicação e os meios
materiais de sua produção e de sua comunicação como oralidade, tabuinha de
cera, volumen, pergaminho manuscrito, texto impresso, livro, computação, e
literatura como interpretação ou decifração ou tradução, e, ainda, literatura
como valor e os critérios contraditórios de sua avaliação na constituição de
hierarquias de valores estéticos e cânones. Sempre, assim, um saber da ficção
relacionado com os principais campos de saberes que se ocupam dela,
principalmente a teoria literária, a história literária, a crítica literária.
Ao mesmo tempo, fiz da prática de professor uma profissão de fé, afirmando
performativamente o compromisso do meu trabalho com a coisa pública da
universidade pública, fazendo de cada aula uma reafirmação do valor absoluto da
liberdade de pensamento.
Durante quase 40 anos, dei aulas sobre literatura brasileira e outras literaturas na USP e em diversas universidades do Brasil e do exterior. Nas aulas, discuti literatura como unidade imaginária escrita numa língua feita de múltiplas línguas de múltiplos tempos, o português do Brasil e no Brasil. As aulas sempre foram uma experiência em que eu estranhava os textos que lia e discutia com os alunos; nelas, criticava a minha prática de professor, levantando razões diferentes para ler e ensinar literatura, como liberar as línguas aprisionadas na língua dos textos, tratar da historicidade das suas convenções retóricas, especificar os pressupostos filosóficos, políticos, historiográficos da crítica e da história literárias brasileiras que se ocuparam dos textos desde o século XIX romântico; evidenciar como a escrita literária implica processos de subjetivação e formalização da experiência que efetuam uma autoconsciência lúcida e extremamente analítica do simbólico que permite, como lembrou um antropólogo, Goody, graus de elaboração lógica e reflexividade que a experiência oral não tem, devido à imediatez da fala, o que ficava muitíssimo evidente na leitura dos Sermões de Antônio Vieira, que têm uma argumentação bastante intrincada e difícil, e também na leitura de modernos cuja escrita cria duplos, como Machado de Assis e Guimarães Rosa, ou de autores cuja escrita tem uma precisão matemática, como a poesia de Mallarmé, Francis Ponge, João Cabral de Melo Neto; também ensinei literatura discutindo e teorizando as experiências singulares, quase sempre de extraordinária intensidade, beleza, angústia, inteligência etc., proporcionadas pelos textos. Sempre foi uma atividade com três articulações básicas, simultâneas e complementares: a leitura dos textos de prosa e poesia, com que especificava a ordenação retórico-poética de seus gêneros e formas; a discussão do valor artístico e da fortuna crítica dos textos e dos pressupostos filosóficos, artísticos e políticos da crítica; a discussão do lugar canônico que ocupavam e ocupam, estética e politicamente, nas histórias literárias brasileiras, constituindo tradições.”
Durante quase 40 anos, dei aulas sobre literatura brasileira e outras literaturas na USP e em diversas universidades do Brasil e do exterior. Nas aulas, discuti literatura como unidade imaginária escrita numa língua feita de múltiplas línguas de múltiplos tempos, o português do Brasil e no Brasil. As aulas sempre foram uma experiência em que eu estranhava os textos que lia e discutia com os alunos; nelas, criticava a minha prática de professor, levantando razões diferentes para ler e ensinar literatura, como liberar as línguas aprisionadas na língua dos textos, tratar da historicidade das suas convenções retóricas, especificar os pressupostos filosóficos, políticos, historiográficos da crítica e da história literárias brasileiras que se ocuparam dos textos desde o século XIX romântico; evidenciar como a escrita literária implica processos de subjetivação e formalização da experiência que efetuam uma autoconsciência lúcida e extremamente analítica do simbólico que permite, como lembrou um antropólogo, Goody, graus de elaboração lógica e reflexividade que a experiência oral não tem, devido à imediatez da fala, o que ficava muitíssimo evidente na leitura dos Sermões de Antônio Vieira, que têm uma argumentação bastante intrincada e difícil, e também na leitura de modernos cuja escrita cria duplos, como Machado de Assis e Guimarães Rosa, ou de autores cuja escrita tem uma precisão matemática, como a poesia de Mallarmé, Francis Ponge, João Cabral de Melo Neto; também ensinei literatura discutindo e teorizando as experiências singulares, quase sempre de extraordinária intensidade, beleza, angústia, inteligência etc., proporcionadas pelos textos. Sempre foi uma atividade com três articulações básicas, simultâneas e complementares: a leitura dos textos de prosa e poesia, com que especificava a ordenação retórico-poética de seus gêneros e formas; a discussão do valor artístico e da fortuna crítica dos textos e dos pressupostos filosóficos, artísticos e políticos da crítica; a discussão do lugar canônico que ocupavam e ocupam, estética e politicamente, nas histórias literárias brasileiras, constituindo tradições.”
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