UM AUTOR ENTRE O PASSADO E O FUTURO
Um
dos maiores especialistas em História do Livro, Robert Darnton veio a
Porto Alegre para conferência no Fronteiras do pensamento. O tema foi: o
que o universo digital representa para a biblioteca do amanhã.
O
historiador americano Robert Darnton esteve em Porto Alegre para um
conferência do Fronteiras do Pensamento em 2007. Voltou em agosto,
convidado de última hora devido a uma alteração de agendas na
programação do evento. Entre as duas visitas, passou-se quase uma
década, tempo suficiente para que Darnton, um dos maiores especialistas
na história e nos processos do livro no século 18, se tornasse um homem
cujas inquietações se dividem entre o passado e o futuro. Por um lado,
seu interesse pelo primeiro não diminuiu, como prova seu livro mais
recente, CENSORES EM AÇÃO, uma comparação entre estruturas de censura
oficial em três cenários e tempos diversos. Por outro lado, anda cada
vez mais interessado em que será feito do livro (e do conhecimento nele
contido) na era da revolução digital – tema de sua nova conferência.
- Muita
coisa aconteceu nesses anos. Não acho que seja exagero afirmar que a
revolução digital é ainda mais revolucionária do que foi o da imprensa,
com Gutenberg. Por isso, o assunto de minha conferência serão alguns
dos problemas mais básicos que enfrentamos enquanto nos dirigimos para o
futuro digital. Um deles é o risco de comercialização, o perigo de que
os negócios tomem a internet e os monopolizem – diz, em entrevista por
telefone.
É um tema
que Darnton, 77 anos, já abordou em A QUESTÃO DOS LIVROS, em que
discute o futuro do livro e, principalmente, das bibliotecas, alertando
para os problemas que o gigantismo de uma empresa como o Google, com seu
projeto de digitalizar e absorver todos os livros já impressos, vem
provocando na gestão e no compartilhamento do conhecimento produzido
dentro das universidades americanas. Para ele, o Google, embora a
empresa não goste do termo, é “um novo tipo de monopólio, não de
ferrovias ou aço, mas de acesso à informação”.
- Quero
falar em geral sobre questões de copyright, mercantilização, defesa do
acesso aberto á informação, os problemas pela inflação galopante no
preço dos periódicos científicos, uma série de problemas que estão
interconectados e que precisamos resolver se queremos que o futuro
digital seja realmente democrático – antecipa.
Mas, na
visão de Darnton, não são apenas as iniciativas empresariais que ameaçam
a livre circulação de opiniões e de conhecimento na rede, as também as
tentativas cada vez mais frequentes dos Estados de ampliar seus
mecanismos de controle e rastreamento sobre a internet.
- Acho
que ao redor do mundo as informações sobre indivíduos na rede vêm se
acumulando em um ritmo apavorante. Pelo que entendo, os agentes de
segurança do governo americano estão retirando diretamente do Google, da
Amazon e de outras organizações comerciais registros de todas as
transações feitas na internet. É uma ideia assustadora. Como cidadão,
fico preocupado com o caráter Big Brother dessa vigilância estatal nesta
era em que terrorismo parece uma desculpa para tudo.
Para ele,
contudo, escândalos como a revelação do grau de vigilância exercido
pela NSA Americana sobre cidadãos e até mesmo líderes políticos não são
os únicos exemplos do descontrole com que a questão está sendo tratada
por Estados e governos sob a desculpa da segurança interna.
- Todos
temos que lidar com a ameaça terrorista, é óbvio, mas penso que a
reação nos EUA depois do 11 de setembro foi excessiva, e temo que a
reação na França após os últimos ataques também venha a ser. E veja o
que está acontecendo na Turquia, que está se transformando em uma
ditadura de ato com um uso muito sofisticado da tecnologia.
Ao mesmo
tempo em que se preocupa com o futuro das liberdades civis na esteira de
um mundo cada vez mais interconectado, Darnton não deixa de pesquisar o
século em que muitos conceitos ligados a essas liberdades surgiram. Ao
longo de sua carreira como historiador, ele foi retornando, sempre com
muito rigor e precisão, a novos ângulos de temas recorrentes. Ele
analisou os requisitos necessários para a formação de um impressor na
Paris do século 18 (em O GRANDE MASSACRE DE GATOS, no livro de mesmo
nome); o sistema de trabalho de Joseph D’Hemery, inspetor de polícia
responsável pela repressão aos livros e panfletos clandestinos (em UM
INSPETOR DE POLÍCIA ORGANIZA SEUS ARQUIVOS, ensaio do mesmo O GRANDE
MASSACRE DE GATOS); a natureza e o conteúdo de muitos desses libelos
clandestinos (em parte de O DIABO NA ÁGUA BENTA) e quais eram os livros
alvo da censura oficial da monarquia (em OS BEST-SELLERS PROIBIDOS NA
FRANÇA PRÉ-REVOLUCIONÁRIA). Ele até analisou a Enciclopédia como um
empreendimento comercial extremamente bem-sucedido (em O ILUMINISMO COMO
NEGÓCIO). Construiu, assim, um amplo “panorama literário” da França
nos períodos imediatamente anteriores e posteriores à Revolução de 1789.
CENSORES
EM AÇÃO, seu livro mais recente lançado no Brasil, volta, em parte, a
esse terreno, ao estudar os mecanismos da censura e seus efeitos na
produção literária da França do século 18. Mas amplia a mirada fazendo
uma comparação com outros dois momentos no tempo e no espaço: o domínio
britânico na Índia e a Alemanha Oriental nos estertores do comunismo
europeu. Ao fazer esse contraponto, Darnton vê no período em que a
Grã-Bretanha dominou o Raj indiano um dos momentos mais contraditórios
da história. Com uma ampla estrutura burocrática de censores
responsáveis por analisar a literatura indiana do período, tanto em
inglês como em dialeto, o governo inglês movido por valores liberais na
matriz montou na colônia uma estrutura jurídica e burocrática que, em
última análise, estava à serviço da manutenção do domínio pela força. É
um tópico que, para ele, ainda ressoa nos dias de hoje:
- Há, de
fato, uma tensão entre o que você poderia chamar de “valores liberais”
das democracias do Ocidente, como liberdade de expressão, direito à
privacidade e proteção contra prisões arbitrárias, e a necessidade que o
Estado pensa ter de ignorar esses valores para melhor proteger seus
cidadãos em tempos de crise. Quando comecei a pesquisa sobre a Índia
britânica, o que oi há muito tempo, não havia essa ressonância tão
forte. Hoje, com certeza é possível ver esse paralelo. A Índia alegava
razões de segurança também para seu controle, para se defender de
terroristas nacionalistas indianos. Hoje, podemos ver um paralelo desse
dilema em uma escala muito mais ampla.
A censura
do estado sobre a literatura e a liberdade de opinião, centro do livro,
é um tema que, de acordo com Darnton, precisará de novas abordagens na
sociedade digital – com exemplos recorrentes de tentativas mais ou menos
agudas de intervenção de Estados e governos sobre a circulação de
informações e opiniões na rede:
- O
ambiente digital é muito volátil. Como pesquisar a respeito das
ferramentas de censura do universo digital, ou mesmo nos informarmos a
respeito? A resposta não é clara. Mas alguns cientistas de computação,
trabalhando com o que eles chamam de “big data”, traçaram padrões de
censura na internet exercida pela China, e eles chegaram a conclusões
muito interessantes. Uma delas é que o governo chinês, acredite se
quiser, não parece muito preocupado com opiniões críticas ao governo. O
que eles de fato querem reprimir são a criação de grupos de oposição,
ou rastrear mensagens que possam levar a reuniões de indivíduos, que
sirvam para a mobilização das pessoas. Eles não querem uma nova Praça
Tiannamen (a PRAÇA DA PAZ CELESTIAL).
OS LIVROS MAIS RECENTES
Obras de Robert Darnton lançadas no Brasil depois de sua primeira palestra no Fronteiras do Pensamento, em março de 2007:
A QUESTÃO DOS LIVROS (2010)
Obras que
dialoga com a palestra que Darnton ministrou em Porto Alegre. O
acadêmico discute aqui a possibilidade de permanência do livro no mundo
digital e os riscos de monopólio representados por gigantes online como
Amazon e Google. (Tradução de Daniel Pellizzari/Companhia das Letras/232
páginas)
O DIABO NA ÁGUA BENTA (2012)
Um
panorama da batalha entre as forças repressivas do Estado francês no
século 18 e os autores de libelos anônimos com ataques sarcásticos aos
governantes. Darnton rastreia os artifícios usados pelos autores, como
publicar a partir do Exterior, e os esforços da polícia para desbaratar a
rede. (Tradução de Carlos Alfonso Malferrari/Companhia das Letras/632
páginas).
POESIA E POLÍCIA (2014)
Por meio
de um episódio real, no qual uma operação policial foi lançada contra
franceses acusados de organizar recitais sem autorização, Darnton
acompanha a trajetória dos poemas populares que criticavam os poderosos
com humor e musicalidade. (Tradução de Rubens Figueiredo/Companhia das
Letras/232 páginas).
CENSORES EM AÇÃO (2016)
Darnton
Compara as estruturas de censura e de controle da literatura em três
cenários: na França pré-revolucionária do século 18; na Índia dominada
pelos britânicos no século 19 e na Alemanha Oriental pouco antes da
queda do Muro de Berlim. (Tradução de Rubens Figueiredo/Companhia das
Letras/376 páginas).
(fonte: http://www.almanaqueliterario.com/biblioteca-do-amanha-e-o-universo-digital)
Nenhum comentário:
Postar um comentário