quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Livro de um aposentado feliz

Texto escrito por José de Souza Castro:

Conheço um brasileiro de 73 anos de idade feliz com sua aposentadoria. Ele se chama Wellington Abranches de Oliveira Barros. A felicidade transparece em seu 17º livro, “Dúvidas e Dívidas”. Pelo menos 12 desses livros foram escritos depois que se aposentou aos 60 anos e aprendeu que “o importante é saber aproveitar bem cada etapa da vida, de preferência, sem dívidas”.
Sem dívidas, talvez, porque não se aposentou pelo INSS, e sim por algum dos empregos públicos que teve, incluindo o de professor da Universidade Federal de Viçosa, onde se formou engenheiro agrônomo.
Eu o conheci em 1975 na Secretaria de Agricultura de Minas, onde ele era chefe de gabinete e eu assessor de imprensa, por nove meses, antes de ser chamado de volta ao Jornal do Brasil. Na época, eu me deliciava com os casos contados por Wellington – um contista nato, nascido numa pequena fazenda próxima de Viçosa, na Zona da Mata mineira.
Não conhecia seu dom de escritor, que fui descobrindo na medida em que ele publicava seus livros para dar de presente aos amigos. O último, eu o recebi há alguns dias pelo correio. Em poucas horas, li suas 70 crônicas e artigos. Todos bem escritos e concisos. Quase sempre, finalizados com singela trova ou quadrinha. O autor parece ter aprendido a arte de trovador com Fernando Sabino. A última:
Sei falar bem de meu passado,
Vivo bem a vida em seus momentos.
Não sei até quando os viverei,
Mas quero vivê-los sem lamentos.
Quem acha um dom menor este de trovador, talvez não saiba – eu só o soube lendo o livro de Wellington – que Fernando Sabino escreveu, perto do fim da vida, centenas de quadras, como esta:
O canário já não canta
Não canta o canário já.
Aquilo que em ti me encanta,
Talvez não me encantará.
Deixo aos críticos avaliar a qualidade literária de ambas as trovas. O que me interessa nesses admiráveis autores é que eles “compõem a vida que ora nos faz chorar, ora nos faz sorrir”. No caso desse livro de Wellington, mais sorrir do que chorar. Porque o autor de “Pacto com o Diabetes”, de 2004, depois da preocupação inicial com essa grave doença, aprendeu a controlá-la e a si mesmo, de modo a levar “uma vida normal e feliz”.
Lá pela página 90, o autor se gaba, sem pejo (porque “Gabar de si mesmo é feio/ mas não é pecado./ Se você faz por onde,/ é assunto encerrado”), de coisas simples assim:
  • Por ter sido extremamente correto ao lidar com dinheiro público. (“Sei que não fiz mais que a obrigação, mas eu me gabo disso. Afinal, meus valores morais, meus princípios e minha educação de berço vêm antes das análises políticas e jurídicas, além da ânsia pelo poder.”)
  • Por ter trabalhado na roça até os 12 anos e feito uma universidade.
  • Por nunca ter colocado sequer um cigarro na boca, apesar de ter morado em pensões, repúblicas e alojamentos, além de ter tido pai fumante. (“Nem sei se é tão importante, mas eu me gabo disso.”)
  • Por chegar aos 73 anos de idade com muita disposição e coragem.
  • Finalmente, “me gabo de poder escrever crônicas para os meus amigos”.
E eu me gabo por me ter entre os amigos e leitores de Wellington.
Em tempo: para entrar em contato com Wellington, ele indicou o seguinte e-mail: wabarros@oi.com.br.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/10/30/livro-duvidas-dividas/#more-14653)

Um comentário:

  1. Aposentar, aos 60 anos, é privilégio dos tempos idos. Sem dívida, é algo para poucos.
    Sem dúvida, a aposentadoria "precoce" foi por trabalhar na educação.
    Viver com qualidade e tempo para se dedicar à literatura, é para estar feliz, com certeza.
    Não sei se ser feliz acontece na vida real. Há momentos, indefinidos, de estar feliz.
    Ser?
    Eu não sei..

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