Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp.
A
questão da leitura no Brasil é difícil de formular. Por um lado
envidam-se esforços no sentido de proporcionar acervos de livros
adequados para leitores em escolas e universidades, centros de
juventude, bibliotecas públicas e particulares. Por outro se treina as
novas gerações em mídias digitais, o que não seria problemático, não
fossem elas utilizadas quase que exclusivamente para mensagens e
informações apressadas e superficiais, quando não levianas. Ao dar o
mesmo valor a qualquer blog do que se dá a uma fonte criteriosa, como um
bom jornal, o leitor se torna vítima fácil de notícias plantadas,
informações maliciosas, ou simplesmente mau jornalismo. Todos nos
tornamos médicos, advogados e historiadores após uma rápida consulta ao
que disse tia Cotinha no Facebook da família, ou no Whatsapp da turma da
escola. Há professores que simplesmente mandam pesquisar “na internet”,
como se tudo que se encontra na web tivesse equivalência. Nem damos
bola para o fato de que a especialidade de tia Cotinha é uma deliciosa
sopa de legumes com ossobuco e que o primo de Paraguaçu Paulista não se
notabiliza pela capacidade de selecionar informações. Confunde-se espaço
democrático e direito de expressão com competência e divulgam-se
asneiras de todo tipo sob o argumento de que todos têm o direito de se
expressar. A única ressalva é que direito de se expressar não pode ser
confundido – uma vez mais – com qualificação em todas as áreas. Para dar
um exemplo extremo e obvio Dr. Paulo não me consultou sobre a técnica
que deveria usar para implantar o marca-passo no meu peito. E eu ouso
dar aulas e fazer palestras sem perguntar a opinião dele sobre fatos
históricos. A qualificação existe, senhores...
Assim,
que me desculpem os palpiteiros, mas competência é preciso. Claro (não
finjam que não entenderam meu argumento) que não me refiro a assuntos e
temas sobre os quais qualquer cidadão pode e deve se manifestar.
Qualquer um pode e deve opinar, por exemplo, sobre reforma política
(menos partidos? Voto distrital? Fim das coligações? Financiamento
oficial? De empresas? Só de pessoa física?). Todos podem e devem entrar
na discussão sobre se questões de saúde pública (como o aborto) devem
ser confundidas com questões religiosas. Se foro especial não é uma
prática antirrepublicana que beneficia apenas os já beneficiados e cria
cidadãos de classes diferentes em uma sociedade que deveria privilegiar a
igualdade de oportunidades. Se já não chegou o momento de acabar com
essa folga de autoridades requisitarem aviões oficiais para passar o fim
de semana em seus feudos (feudos, sim senhor) eleitorais, etc, etc,
etc...
É
evidente que não se deve tolher o exercício pleno da cidadania, que
inclui o direito à manifestação, pelo contrário. O que defendo é o
direito à informação séria, responsável, relevante. É fundamental ficar
alerta, selecionar criteriosamente as fontes, evitando-se divulgar
notícias falsas, textos apócrifos, supostas opiniões de figuras
conhecidas que nunca disseram aquilo, trechos truncados que distorcem o
conteúdo e, não menos importante, provocações irresponsáveis. E aí
voltamos à questão da leitura de livros. Se você, improvável leitor
deste artigo, não for um leitor de livros eu sinto muito. Ainda é neles
que está depositado grande parte do patrimônio cultural da humanidade.
Em livros estão registrados desde os textos sagrados das três mais
importantes religiões monoteístas do mundo até as reflexões mais
sofisticadas dos pensadores contemporâneos, passando por todos os
teóricos sociais, estudos de economia, avaliações históricas das
principais organizações sociais criadas pelo homo sapiens. Há livros
para adultos e para crianças, para ler na praia, no metrô, no
escritório, na cama. E se pensarmos em ficção, com livros a gente cria o
personagem do nosso jeito, não fica sujeito aos caprichos do diretor do
filme, por isso melhor que ver um bom filme é ler um bom livro.
Em
uma sociedade em que o celular fica obsoleto em dois anos e uma relação
amorosa não costuma durar nem isso; em que não temos tempo para
conhecer as pessoas, elas nos aborrecem antes de sabermos quem elas são;
em uma sociedade em que não degustamos, devoramos; em que não sabemos
mais apreciar os caminhos, só queremos chegar; em que aprendemos a ler
“por cima”, pulando linhas, letras e sentidos, sem curtir a construção
elegante, o uso correto das palavras, o texto coeso, a mensagem clara:
Quem teremos para ler livros nas próximas décadas?
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