quarta-feira, 8 de março de 2017

No dia internacional da mulher, falemos da Escrava Isaura



A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães

                                               Antônio de Paiva Moura


            A história do livro A Escrava Isaura se passa inicialmente em uma fazenda, em Campos dos Goitacases (RJ). Isaura é uma escrava branca, muito bonita e bem educada, que foi criada como filha na família do Comendador, proprietário de grande engenho. Durante muito tempo, foi protegida de Ester, mulher do comendador, mas após a morte desta, Isaura tornou-se propriedade de Leôncio, um jovem recém-casado com Malvina. Além de Leôncio, a beleza da jovem escrava desperta paixão em vários personagens, como o jardineiro Belchior, o feitor da fazenda e Henrique, irmão de Malvina. Isaura se recusa a ceder às tentativas de Leôncio, que, para forçá-la, a manda para a senzala trabalhar com as outras escravas. A escrava suporta o seu destino e não cede a Leôncio, afirmando que ele não era proprietário de seu coração. Além dos assédios e ameaças, Isaura é insultada por Rosa, escrava negra e invejosa. 

            O pai de Isaura, um homem livre chamado Miguel, reúne a quantia pedida pelo pai de Leôncio para libertá-lo, mas o jovem sem caráter descumpre a promessa do pai. Inconformada, a mulher de Leôncio, Malvina, volta para a casa de seus pais, deixando o caminho livre para que o jovem atormentasse ainda mais Isaura. Miguel, o pai de Isaura, consegue tirar a filha da fazenda e foge com ela para Recife (PE). Naquela cidade, Isaura usa o nome de Elvira e vive em uma pequena casa com o seu pai. 

            Em Recife, Isaura conhece Álvaro, por quem se apaixona e é correspondida. Eles vão juntos a um baile e, na ocasião, ela é reconhecida por Martinho e desmascarada em pleno salão. Álvaro fica surpreso, mas defende a amada e resolve impedir que Leôncio a leve de volta. Usando de seu poderio, Leôncio leva Isaura de volta à fazenda, mas Álvaro descobre a falência do jovem sem caráter e compra a dívida dos seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, incluindo os seus escravos. Ao se ver derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se e a história tem um desfecho feliz.

 *
            Bernardo coloca no centro do romance, uma escrava branca, educada e esmerada em bons princípios. Se fosse uma escrava negra, que vivesse da senzala, o romance publicado em 1875, certamente teria provocado reação violenta dos senhores de escravos contra o autor.  Mas a repercussão de “Escrava Isaura” foi tão grande que o imperador Dom Pedro II, quando esteve em Ouro Preto, fez questão de visitar Bernardo Guimarães. O personagem abertamente assumido como abolicionista é Álvaro, um jovem rico e belo; inserido na aristocracia rural. Essa condição autoriza o autor a se posicionar contra o regime de escravidão. Somente a superestrutura da sociedade podia ter idéias, manifestar posições que contrariassem o establishment ou a ideologia vigente. No dizer do autor, Álvaro tinha um não sei quê de nobreza, amável, simpático. 

            O personagem Martinho representa a classe média urbana, ávida por riqueza, não importando o meio de ganhá-la. Se recebesse vultosa importância de Leôncio, com a captura e entrega de Isaura, ele pararia de estudar e iria viver à toa entre os ricos.  

            Se Isaura era escrava e Leôncio seu dono, ele poderia obrigá-la a ceder ou estuprá-la que nada o importunaria depois, mas não se sabe de onde vinha a força de Isaura para resistir. Então diz o autor: A beleza unida à nobreza de alma, a superioridade da inteligência que impõe respeito aos entes, ainda que os mais perversos e corrompidos. Para Bordieu, as ações simbólicas representam uma posição social, baseadas na lógica da distinção social. A distinção significante é o status que se adquire com o estilo de vida. Dessa distinção, Leôncio não pôde destituir Isaura. O capital intelectual funcionando como escudo contra o poderio do capital econômico.       

              Na condição de advogado e de experiência como juiz, Bernardo Guimarães critica a instituição do direito que privilegia pessoas como Leôncio: é falso dar nome de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam a civilização, a moral e a religião. Atesta o privilégio de Leôncio, a carta que obteve do ministro da justiça, facilitando a retomada de posse de Isaura. O pai de Isaura queria denunciar Leôncio à Justiça, por estar escravizando uma mulher branca, mas foi dissuadido desse intento, pois onde se viu o pobre ter razão contra o rico; o fraco contra o forte?

            Isaura é símbolo da escravidão que transcende às etnias negras e indígenas. Há outro cativeiro dentro dela. Concepções, princípios morais; vítima de preconceitos contra pobres e das limitações impostas às mulheres. É significativo o fato de Isaura não aceitar ser livre por meio do processo de fuga, mas de acordo com as leis do Império. Em fuga, estaria sempre presa. Há, portanto, uma questão de foro íntimo que atua, fazendo-a temer castigos de Deus, pobreza e outros infortúnios. Se Isaura se casasse com o jardineiro, como queria Leôncio, continuaria sendo cativa, mesmo sendo branca. O casamento com Álvaro a libertaria do preconceito da pobreza, mas não a isentaria da submissão da mulher na sociedade.

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