quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Um balanço de 2019

Ano tumultuado, mas com muita coisa boa sendo publicada, ainda que aos trancos e barrancos. É a cultura resistindo ao desmonte. Que continue assim, em 2020!

Nosso blog atingiu a marca de 539 publicações e foi visitado por 22.547 amigos e amigas, conforme consta do relatório do blogger.


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Por outro lado, com meus livros não tenho nada para me queixar.

Os 500 exemplares do "Amor nos tempos do AI-5" que me couberam, praticamente estão no fim. Restam exatos 27 em meu poder e então já penso na segunda edição, mais palatável, porque reconheço que o livro ficou com páginas demais. Consegui reduzir, sem alterar em nada a história.



Os dois outros volumes da trilogia esgotaram-se na editora e reimpressões já foram encomendadas.

Também esgotou o "Como contar a História do Brasil aos meus netos", e a segunda edição já está disponível.

Assim, concluo as publicações deste ano. Vamos tirar uns dias de férias e no dia 15 de janeiro retornamos com a divulgação da boa literatura, especialmente a brasileira.

O gesto que fazemos para proteger a cabeça




Dois homens caminham. Um chega à terra para matar saudades do mar; outro supera um carreiro íngreme com uma carga de azeitona. O primeiro vem vergado ao peso da vingança. O segundo ao da sobrevivência. Cruzam-se numa estrada, perdida, no Alentejo, junto à fronteira. De Espanha chegam os ecos dos fuzilamentos e os foragidos da Guerra Civil. Transacionam-se mercadorias, homens, mulheres e até bebês. 

No espaço de um dia, que medeia dois entardeceres, muitas mulheres de cabelos ensarilhados pelo vento hão-de-conspirar num velho depósito de água rachado; duas amigas separam-se e unem-se por causa de um homem que se dissolve na lama. Um rapaz alentejano voltado para as coisas da existência é por todos traído, mas não tem vocação para desforras, e perde o falcão, a sua máquina alada de matar... 

Duas comunidades antagônicas, que se hostilizam, guerreiam e dependem uma da outra: uma à míngua, entre vendavais e pó; outra próspera, em traficâncias várias, cercada por pântanos, protegida por um tirano local e pela polícia política, abriga todos os rejeitados pela sociedade, malteses, republicanos espanhóis, fugitivos, cuspidores de fogo, ciganos, artistas de circo, evadidas de conventos, bêbados e arruaceiros. As velhas acusações transformam-se, a guerra tem renovados motivos, a raiva escolhe outros métodos. O grito do corpo continua o mesmo, tal como o gesto que fazemos para proteger a cabeça.

(fonte: https://www.portaldaliteratura.com/livros.php?livro=9776)

Ainda estou aqui – O jogo da memória da família Rubens Paiva.



O quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, lugar onde Rubens Paiva prestou depoimento e foi torturado antes de desaparecer em 1971, amanhece impune todos os dias. Às seis da manhã ouve-se a corneta que acorda os soldados. Será que a vizinhança percebia o que acontecia ali? Não sabemos. Há um silêncio quase intransponível quando se fala sobre o passado desses lugares de memória autoritária. O livro mais recente de Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui, lançado no ano passado pela Editora Alfaguara, é um movimento contra o essa indiferença, que parece permear as memórias dos desaparecidos políticos brasileiros.



A iniciativa de Marcelo Rubens Paiva de contar a história da sua família é uma narrativa de sobrevivência e movimento. Não é de hoje que o autor fala desse tema em suas obras. No romance Blecaute, de 1986, já havia uma referência oculta ao pai desaparecido. Em Ainda estou aqui, no entanto, a opção do escritor é mais objetiva. Ao ler o livro, somos conduzidos por um labirinto de memórias, verdades e esquecimentos.
A trajetória de Eunice Paiva, sempre muito cuidadosa com a silhueta, esposa e mãe preocupada com os códigos de etiqueta da elite paulistana, ganhou outro rumo com o desaparecimento de Rubens Paiva. Ela foi empurrada para o combate político sem nenhum treinamento. Sua busca, que primeiro era pelo marido, aos poucos se tornou a procura pelo corpo e, no final, era a briga com o Estado brasileiro para ter direito a um atestado de óbito, só conquistado em 1996.

Na superação da mãe, os filhos foram crescendo sem o pai. Cada um aceitou a morte de Rubens Paiva em um momento diferente (o que dá a sua morte uma impressão de continuidade atormentadora). A família precisou ainda lutar contra as mentiras que os militares contavam. Diziam que Paiva estava vivo em Cuba, com outra família, ou que voltaria logo, por exemplo.
É interessante perceber a relação da obra com a criação da Comissão Nacional da Verdade no Brasil (Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011), que revelou algumas provas importantes sobre a morte de Rubens Paiva e suscitou constantes reportagens sobre o caso nos principais meios de comunicação do país. O caráter interminável do desaparecimento do pai e a progressiva perda da memória da mãe, devido ao mal de Alzheimer, levam o filho autor a nos guiar pelos caminhos da ausência. No momento em que descobriria as verdades, quando Rubens Paiva ressurge a partir das pesquisas da CNV, é Eunice quem submerge, como se um tivesse que ir para que o outro ficasse. Os dois se encontram na lucidez dela, no momento em que assiste a uma matéria sobre o caso na TV e o reconhece.
O olhar sobre Eunice é respeitoso com os detalhes. Mulher prática, advogada, mãe que calculava o imposto de renda do filho, mas nunca dançou com ele, viúva que comemorou o reconhecimento da morte do marido tomando um sorvete na piscina do prédio, advogada corajosa e revisora atenta de textos. Enquanto coube a ela ser muitas, Rubens não escapou de permanecer o mesmo engenheiro, deputado cassado e pai carinhoso.
As cartas endereçadas a Rubens Paiva, que levaram a polícia até ele, o neto que não conheceu, a filha que estava estudando fora na ocasião do desaparecimento, os índios que Eunice defendeu e mesmo esta resenha nos aproximam ao “se” da história. E se nada disso tivesse acontecido? É inevitável que se reflita sobre o tamanho do estrago causado pela repressão durante a ditadura militar. E se antes quem invadiu a intimidade dessa família foi o Estado brasileiro, agora é o filho caçula quem nos convida a participar dela.
Não há sensação de justiça no fim da história. No entanto, desde 2014, existe uma estátua de Rubens Paiva, encomendada pelo Sindicato dos Engenheiros, em frente à entrada do quartel onde foi visto pela última vez, o mesmo que amanhece impune com o canto das cornetas. A estátua não olha para o prédio, está de costas para ele. Mas o fato dela estar ali, nos faz pensar no lema do início da abertura dos arquivos da ditadura militar: “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.
Ainda estou aqui poderia ser só uma denúncia, mas é uma história cheia de humanidade e carinho sobre Eunice e Rubens Paiva. Eles ainda estão aqui.
Cecilia Matos é historiadora e professora de História.

Nova edição da Revista Gueto


Está no ar | a edição trimestral n. 12 da revista gueto | nos formatos PDF, EPUB e MOBI para download livre | 138 páginas de literatura contemporânea em língua portuguesa | poesia e prosa



ROMANCE | trecho inicial de romance inédito de Ricardo Lisias |

CONTO | Natalia Timerman | T. K. Pereira | Laura Elizia Haubert | Ivan Hegen | Luciana Pinsky | Sergio Leo | Myriam Campello | Fábio Mariano | Alessandra Barcelar | Virna Teixeira | Flávia Helena | Anna Monteiro | Sérgio Rodrigues | Dirce Waltrick do Amarante | Fred Di Giacomo | Mário Sérgio Baggio | Antônio LaCarne | Marcia Barbieri |

POESIA | Yuri Pires | Rodrigo Novaes de Almeida | Nayara C. P. Valle | Fernando Maroja | Mônica Menezes | Tito Leite | Taciana Oliveira | Aline Martins | Fábio Pessanha | Penélope Martins | Ricardo Escudeiro | Andri Carvão | Manu Bezerra de Melo | Matheus Guménin Barreto | Prisca Agustoni | Natasha Tinet Zanetti | Carlos Barbosa | Neide Almeida | Ruy Espinheira Filho | Alberto Lins Caldas |

RESENHA | do novo livro de Chico Buarque por Leonardo Valente |

[ via Rodrigo Novaes de Almeida | Christiane Angelotti | Tito Leite | Marcos Vinícius Almeida | Amanda Sorrentino ]

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Comentário sobre “Escrever – um ato de liberdade”



Nas minhas andanças por Lisboa, participando dos salões de livros de autores de língua portuguesa, travei contato com Jo Ramos, a organizadora e, mais do que isso, a pessoa que criou um projeto maravilhoso, denominado “Projeto Jovens Escritores”.


Em 2019 não foi diferente. Um belo Salão e o lançamento de mais um livro desse projeto: “Escrever. Um ato de liberdade”.


São textos de alunos da Escola Conde de Oeiras, de Lisboa. Alunos da professora Margarida Gil, de quem já me considero amigo, pessoa de extrema delicadeza e interesse pela literatura.
Na apresentação do livro, ela fala da importância de dar voz às crianças por meio de poemas e textos:

São as palavras dessas meninas e meninos que aqui estão, nestas páginas que acolhem o fruto dos seus tenros anos, do seu crescimento, das suas sensações e emoções.
São os textos que eles criaram que vivem, promissores, nestas páginas e nós esperamos que continuem a produzir o seu fruto.
Projetos como os da minha amiga Jô são raros e têm o enorme mérito de estimular a criação de pequenos-grandes escritores, de lhes dar visibilidade, de proporcionar o sonho realizado de ter os seus textos publicados, orgulho para eles e para nós. Um livrinho que é um marco nas suas tenras existências, recordação palpável para o resto das suas vidas. Um livro, um sonho.

São sete poemas, vinte e sete textos na segunda parte, intitulada “Imaginação à solta” e doze textos na terceira parte: “Quem tem medo do lobo bom?”. Nesta terceira parte, contos infantis são revisitados e fornecem finais surpreendentes.

Entre tantas palavras emocionantes, impactou-me a reflexão da aluna Elisa Pousada, da turma 6º C, que escreveu sobre os livros:

Mas... talvez a coisa mais importante nos livros é que nos fazem pensar. Pensar sobre assuntos em que ninguém pensa ou que talvez tenham demasiado medo de pensar. A verdade é que é preciso coragem para pensar; é preciso coragem para viver. E é isso que os livros nos ensinam.

Uma aluna de 6º ano escreveu essas palavras, que se tornam tão mais importantes face à miséria cultural que temos presenciado...

Se você ficou interessado(a) no livro, contate a Jô Ramos pelo e-mail zlbooks11@gmail.com ou procure-a no Facebook.

Resenha de "Beira-mar: memórias 4" de Pedro Nava


Belo Horizonte na memória de Pedro Nava.

NAVA, Pedro. Beira-mar: memórias 4. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

                                                                       Antônio de Paiva Moura



            “Beira-mar”, o quarto volume das memórias do médico e escritor mineiro Pedro Nava, aborda o período em que ele estudou medicina na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, de 1921 a 1927. Conta como ingressou no serviço público por meio de uma carta de Afonso Pena Júnior ao senador, monsenhor João Pio, na Diretoria de Higiene do Estado de Minas Gerais.
            Para melhor situarmos a obra memorialista “Beira-mar”, de Pedro Nava, é necessário recapitular a história da Primeira República brasileira, de 1889 a 1930. As oligarquias rurais e os militares encontravam-se insatisfeitos com o poder monárquico. É significativo o fato de que o primeiro a proclamar a República foi um advogado José do Patrocínio, mas os militares o jogaram para escanteio e fizeram nova proclamação. O poder político da união, dos estados e dos municípios, foi exercido pelos grandes possuidores de terras e agricultura de exportação. Nas décadas 1920 e 1930 houve um crescimento das cidades o que possibilitou o surgimento de uma elite intelectual e uma inquietação cultural e política, revelada na Semana de Arte Moderna de São Paulo, na Revolução Tenentista e na Coluna Prestes. Foi nessas décadas que o movimento modernista europeu exerceu forte influência no Brasil. A elite intelectual se esforça em remover o conservantismo, buscando uma nova forma de expressão artística e literária.
            Poetas e prosadores passam a ter mais liberdade ao abordar assuntos, até então, velados por preconceitos e cânones artísticos. Na linguagem modernista entram em cena novos personagens como negros, operários, funcionários públicos, mulheres, pessoas pobres e estudantes.  É nesse novo ambiente social e cultura que aparece o estudante de medicina Pedro Nava. Ele já pode, por exemplo, revelar a intimidade do quarto de dormir em que quatro estudantes se encontravam para estudos preparatórios de provas na faculdade. Entre expressões de conhecimento e decoreba de fórmulas químicas, havia muitas pausas para comentar os detalhes do corpo e qualidades eróticas de uma mulher, conhecida na intimidade pelo grupo.
            No primeiro capítulo “Bar do Ponto”, Nava faz uma bela toponímia da cidade. A Rua da Bahia, esquina com Avenida Afonso Pena era o ponto mais agitado e transitado. Havia ali o abrigo de bonde e próximo a ele, o Bar do Ponto. Era aí que corriam as notícias e as fofocas atualizadas. O viaduto de Santa Tereza, o Café Estrela, a casa comercial Giacomo. Na Rua da Bahia, esquina com Avenida Álvares Cabral era o Clube Belo Horizonte. Nava diz que aí era a “ilha das finas donzelas da sociedade; primeiro chamado pudicamente de Clube das Violetas e lugar dos bailes elegantes”.  No esconso das noites comuns, é tomado pelo barulhinho das fichas nervosamente chocalhadas pelos jogadores. Há, ainda, a celebridade da Rua dos Guaicurus, que era um pedaço de Marselha jogado no sertão. Lá estava o cabaré da Madame Olímpia e seu portão só aberto aos coronéis, de patente ou só de dinheiro, em contraste com os depenados estudantes que se socorriam no “Curral das Vacas”. No terceiro e no quarto capítulos de “Beira-mar”, Nava contempla mais dois logradouros de seu trânsito diário: a Av. Mantiqueira, atual Alfredo Balena e Niquelina, em Santa Efigênia.
            Conciliando boemia com estudos e trabalho, Nava passa a conviver com escritores, jornalistas e estudantes de outras áreas. É assim que vai visitar a família Machado onde se encontra com Lucas, Aníbal e Cristiano admirando a especialidade da biblioteca de cada um deles. Todos os irmãos Machado tornaram-se celebres na história de Minas Gerais. A partir dai faz contatos pessoais e por correspondência com os jovens escritores e colabora com a “A Revista”, primeiro periódico modernista de Minas Gerais; frequenta clube de dança, cinema, teatro e bares do Cetro da Cidade. Dessa convivência de Pedro Nava com as celebridades, guardada em sua memória, externada em “Beira-mar”, vem a público uma verdadeira antologia da literatura modernista em Minas Gerais e no Brasil.
            Registra um aumento da liberdade feminina e adoção de modas em roupas, calçados, chapéus e cortes de cabelo, influenciadas pelo cinema americano. Adoção do vestido “tomara que caia”, obrigando-as a depilação das axilas. As saias subiram até os joelhos e chapéus desceram até as orelhas. Os homens variando nas formas dos casacos, camisas e chapéus. O paletó jaquetão, mais comprido e mais solto no corpo e o chapéu de panamá.
            A informalidade dos governadores do Estado, Raul Soares de Moura, Fernando Melo Viana e Antônio Carlos Ribeiro Andrade, que andavam a pé pela cidade; biografias de escritores, poetas, cientistas como Aurélio Pires, Zoroastro Passos e Borges da Costa.

Perfume atrás da orelha - lançamento



Ana Paula Dacota lança o livro de poesia Perfume atrás da orelha (Alma de Gato/Scriptum). A obra cuja temática gira em torno do amor, do sexo, da perda, das cenas cotidianas, da solidão, da metalinguagem, da morte, da alegria e da melancolia reúne 51 poemas e conta com ilustrações do artista visual André Araújo. O projeto gráfico, a diagramação e a capa foram realizados pelo designer Mário Vinicius.

"Os poemas foram escritos entre 2005 e 2019, ou seja, 14 anos de escrita e burilamento até chegar ao produto final. Tento publicá-lo desde 2017. O original recebeu parecer positivo na Scriptum e neste ano conseguimos fazer um arranjo para viabilizar o projeto. Tive a felicidade de conseguir a colaboração e o envolvimento de vários profissionais que admiro, como o artista visual André Araújo, cujas pinturas ilustram o livro; o design, a capa, o projeto editorial e a diagramação de Mário Vinícius; o texto de orelha da poeta Simone Andrade Neves e o texto de abertura de Celina Lage. O principal editor foi Wagner Moreira que lapidou a edição dos poemas", explica Ana Paula sobre o processo de criação do livro.

Sábado (14/12), às 11h30
Scriptum
Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi

A viúva e o papagaio, de Virginia Wolf


Imprevisível, divertido e inteligente, este conto acompanha a aventura da Sra. Gage, uma velha viúva que descobre uma herança inesperada com a ajuda de um papagaio invulgar. “Não está ninguém em casa!”, “Não está ninguém em casa!” é só o que o papagaio James sabe dizer, mas ele esconde um segredo, assim como esta história esconde uma lição...


O conto é indicado, em Portugal, para o 5º ano do Ensino Básico.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Comentário sobre o livro Sombras das Ruas, de Jalmelice Luz



Tenho acompanhado, na medida do possível, a produção literária recente, principalmente de novos autores e autoras, muitos dos quais já comentei aqui no blog.
Hoje venho falar um pouco sobre um livro cuja leitura concluí ontem. E que me causou um impacto muito forte.



A sinopse sintetiza muito bem a história:
“Este livro narra a história de abandono da protagonista Janete, ‘a monstrinha filha das sombras’, que ‘é parte da chaga exposta aos olhos de uma sociedade egoísta, que não tem olhos para ver quem vive muito abaixo da linha da pobreza...’. ‘A menina, incômoda flor nascida nas brechas das calçadas sem cuidados, é denúncia viva, o mudo brado dos que não têm voz bem vez’.

Sim, o livro trata daqueles “seres invisíveis” que habitam as marquises, as calçadas, expostos à violência e desprezo dos “bem nascidos”. Lendo, a gente se sente como se estivesse ouvindo a voz da pequena Janete, ela que se torna visível para algumas outras personagens. Desprezada por uns, amada por outros ela sobrevive. Mas nem ela nem a autora ignoram que a maioria dos “seres invisíveis” continuará invisível. Ela é uma exceção, tem consciência disso. Mas não perde a consciência do destino miserável da grande maioria.

É um romance impactante, como afirmei acima. E precisa ser lido.
Recomendo.
Que venham outros, Jalmelice!

A autora é mineira, natural de Diamantina e residente em BH. Jornalista, escritora, mestre em Educação. Já publicou o romance Noites Pretas, o livro infanto-juvenil Peixe-amigo-pássaro. É co-autora dos livros Mulheres de Minas: lutas e conquistas e O sabor das letras.

Comentário sobre o livro Voltei Formiga, de Mauro Brandão




Mais um livro de autor mineiro, publicado recentemente. Natural de Caeté, Mauro Brandão é um homem de muitos predicados: formado em Ciências Econômicas, jornalista, escritor, poeta, músico e funcionário público federal. Neste ano tenho visto, no Facebook e no Instagram, o périplo que ele realiza para divulgar sua obra. Escreveu Claraluz e o poeta, Na Solidão do Outro, O soldado errante, Poemistérios do Amor e da Guerra e o livro sobre o qual farei um pequeno comentário: Voltei Formiga.



Confesso que ao adquirir o livro, me veio à mente o “A metamorfose” de Kafka, em que o personagem acorda transformado num inseto que é identificado com uma barata. Pensei que a linha que o Mauro Brandão ia seguir seria alguma coisa no gênero, mas logo percebi que não seria bem assim.

Na verdade, sem querer fornecer um spoiler, trata-se da história de um cidadão que tinha um verdadeiro pavor de formigas e dedicou boa parte de sua vida a exterminá-las, até com requintes de sadismo, de uma crueldade fantástica.

O autor diz, na sinopse, que não está discutindo reencarnação ou alguma tese espiritualista, mas ele vai nos mostrar que, ao morrer, esse personagem volta... em forma de formiga!

E aí somos brindados com uma verdadeira aula sobre o universo de um formigueiro, passando pela rainha, pelas trabalhadoras, pelas guerreiras.

E então ele nos apresenta um paralelo interessante sobre as duas sociedades: a dos humanos e a das formigas.

E tal como sua primeira “encarnação”, a humana, a formiga em que ele se transformou, também tem uma morte violenta, como ele tivera em sua vida humana. E aí... bem, aí não dá pra falar mais sem cair no spoiler, por isso deixo a curiosidade de vocês levá-los a comprar o livro e se deliciar.

É uma leitura prazerosa, curiosa, interessante, didática (no que se refere ao conhecimento da sociedade das formigas), que recomendo com prazer.

Comentário sobre o livro Um amor de muitos verões, de Ana Faria



Você tem filhos, sobrinhos, netos ou conhecidos adolescentes? Se tem, aqui está um bom presente para você dar neste Natal.




O romance escrito por Ana Faria (que não tem qualquer parentesco comigo) é uma história adequada para essa faixa de idade. Não que os adultos não possam curtir, mas a história de Silvia e Guilherme é voltada essencialmente para público jovem.

Resumidamente, essas duas personagens se conhecem em Arraial do Cabo, num verão, ela recém saída do ensino fundamental. Se gostam e quando ela volta para sua cidade, ambos nutrem aquela saudade gostosa de um amor ainda ingênuo. Ela volta no verão seguinte e no outro. Termina o ensino médio e entra na faculdade.

Ficam um tempo sem se ver... e aí a história se desenrola até que muitos verões depois eles tornam a se encontrar. E aí vem a dúvida com a qual a autora abre o livro: ficarão juntos, depois de tantos anos? Já maduros, ela com um casamento desfeito, um filho...

Não, eu não vou contar o final.

Comprem o livro para presentear, mas leiam antes. Vão gostar!

Revista Intermeio - boa para professores de História



Artigos - Dossiê
Tânia Regina Zimmermann
Claudia Regina Nichinig
Diovana Ferreira de Oliveira Thiago, Eduardo Borges Goulart Neto, Elisângela da Silva Santos
Larissa Klosowski de Paula, Isabela Candeloro Campoi
Jean Carlos Moreno
Luciana Cristina Porfírio
Marcelo Fronza
Jaqueline Aparecida Martins Zarbato
Patrícia Marcondes de Barros
Sergio Roberto Chaves Junior, Danrlei Vitorio da Cruz, Halyne Czmola, Joana Caroline Corrêa da Silva, João Pedro Lezan, Kevin Lino de Oliveira, Weslei da Mota
Thaís Regina Miranda Martins

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

História oral e direito à cidade - organizado por Andréa Casa Nova Maia


Brumadinho: a engenharia de um crime

Hoje se completam dez meses desde que a barragem da Vale se rompeu em Brumadinho. Foi no dia 25 de janeiro de 2019 que a estrutura na mina Córrego do Feijão veio abaixo, levando lama, morte e caos a várias cidades mineiras e ao rio Paraopeba. Foi há dez meses que quase 300 pessoas perderam suas vidas num estalar de dedos. E, segundo as investigações da Polícia Federal, a Vale conhecia todos os riscos de ruptura pelo menos desde o segundo semestre de 2017 – e poderia ter evitado esta tragédia. Ou seja, NÃO FOI ACIDENTE.
É disso que se trata o livro "Brumadinho: a Engenharia de um Crime", dos jornalistas e amigos Murilo Rocha e Lucas Ragazzi. No post de hoje, trago a resenha do livro, feita pelo meu marido, o também jornalista Humberto Trajano, que terminou a leitura antes de mim.
Boa reflexão a todos:

“Estamos passando pela Ferteco!”. Uma fumaça cinza de poluição tomava conta do carro na BR-040, logo depois da Serra da Moeda, no caminho de Congonhas, na Região Central de Minas. Lembro de minha avó Conceição explicando aquela parte do trajeto até Conselheiro Lafaiete, terra do meu avô Eloy, quando íamos para lá, passar fins de semanas na década de 80 e início da década de 90.
Mas o que era a Ferteco? Era uma mineradora da região, que está presente nos primórdios da história da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de BH, que se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019. Até agora, quando escrevo este texto, são mais de 250 mortes confirmadas e 16 pessoas desaparecidas em decorrência deste rompimento.
A barragem, construída pela Ferteco na década de 1970, é a personagem principal do livro “Brumadinho: a Engenharia de um Crime”, dos jornalistas mineiros Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, lançado no fim de outubro.
A mineração está entranhada na memória pessoal de cada um de nós, moradores das Gerais, desde que nos entendemos por gente. Quando eu era criança e ouvia os relatos de minha avó, jamais imaginaria que, anos mais tarde, estaria cobrindo a maior tragédia da mineração no Brasil, naquele mesmo lugar.
Conforme o livro, em abril de 2001, a Vale, já privatizada, comprou a Ferteco, que "respondia pela terceira maior produção de minério de ferro do Brasil (cerca de 10%)". Prossegue o trecho do livro:
"Entre seu patrimônio estavam as férteis minas do Córrego do Feijão (Brumadinho) e Fábrica (Ouro Preto). [...] O maior interesse da Vale com a nova aquisição era justamente a Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, para atender à crescente demanda da Europa” (Págs. 21 e 22).
Entre 2001 e 2003, a Vale acabou com uma vila de trabalhadores na área da mina e construiu, a jusante da barragem, a sede administrativa de Córrego do Feijão.
No dia 25 de janeiro deste ano, o que estava a jusante da barragem até o rio Paraopeba foi destruído com o rompimento. Um restaurante, a área administrativa, com várias edificações, uma usina de beneficiamento, parte de comunidades, uma pousada a poucos metros dali e as lavouras dos agricultores.
Qual a responsabilidade dos mais bem remunerados engenheiros do país, funcionários da Vale? Estavam errados? Ou foram forçados? Ou cometeram atos irresponsáveis de forma proposital?

A destruição das vidas, as escolhas guiadas pela ganância dos executivos e a despreocupação em esconder dos trabalhadores, que iam ao Córrego do Feijão todos os dias, os riscos que aquela imensa estrutura apresentava – tudo isso é mostrado no texto.Essas perguntas vão sendo respondidas neste livro, cujo título, “a engenharia de um crime”, já resume o que pode ser encontrado no trabalho investigativo dos autores. Ao longo das 255 páginas, eles contam em detalhes a história desse crime, que tem raízes construídas durante décadas, e que abalou várias estruturas: vidas, a cidade, sua economia local, todo o cotidiano de quem ali perdeu um ente querido e de pessoas que trabalharam incessantemente na busca da elucidação dos fatos, de informações, do resgate dos corpos, da tentativa de salvar o meio ambiente devastado.
Vale sabia dos riscos desde 2017 – e tentou escondê-los
O livro mostra que uma grande preocupação com a estrutura começou a ser revelada durante um painel de especialistas realizado em novembro de 2017, em Belo Horizonte. A engenheira Maria Regina Moretti fez um alerta:
“Ela revela aos presentes um dado preocupante e até então desconhecido. A barragem I, diferentemente dos laudos de estabilidade apresentado nos últimos anos , tem um fator de segurança (FS)10 para liquefação em condição não drenada de 1,06, bem abaixo do índice de 1,3 registrado nas medições anteriores e considerado o mínimo recomendável para a literatura mundial do setor.” (pág. 75)
O texto aponta que, após esse alerta, a Vale criou artifícios para que a barragem fosse apresentada como segura. Também tentou fazer obras no local e uma delas deu errado: a instalação de drenos horizontais, que teve que ser abortada após a própria barragem demonstrar, em 11 de junho de 2018, que não seria possível a instalação dos drenos.
O livro destaca pontos cruciais, pessoas e empresas determinantes para que o desastre acontecesse. Após o alerta de 2017 e a criação dos artifícios para apresentação da barragem como segura, ocorreram troca de empresas terceirizadas e encerramentos de contratos. Neste momento, a alemã Tüv Süd entra em cena e também Washington Pirete, executivo da Vale responsável por contratos com as empresas. Ambos já estão entre os denunciados.
“A ‘mudança do critério de análise’ citada pelo funcionário da Vale [Pirete] no e-mail como justificativa para a troca de empresas é um novo estudo da Tüv Süd com o rebaixamento do fator de segurança de B1. Essa alteração seria decisiva para o destino da barragem e de suas centenas de vítimas”. (pág. 101)
O trabalho da força-tarefa
De forma bastante humana, o livro mostra também o trabalho dos delegados da Polícia Federal. Que já estavam um pouco calejados após o rompimento em 2015 da barragem de Fundão, da Samarco (cujas donas são a Vale e a BHP Billiton), em Mariana, e se reuniram em uma força-tarefa para dar início a uma investigação minuciosa sobre o ocorrido em Brumadinho.
O pesadelo havia voltado em 2019, de forma cruel, matando centenas de pessoas na Região Metropolitana de BH. E nenhum de nós acredita que estejamos livres de outras tragédias, como esta e a de Mariana, no futuro.

Brumadinho: a Engenharia de um Crime
Lucas Ragazzi e Murilo Rocha
Editora Letramento, 2019
255 páginas
De R$ 40,42 a R$ 49,90
(fonte: blog da KikaCastro)