segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Os livros de Rogério Zola Santiago

Conheci Rogério Zola Santiago quando ambos trabalhávamos no UNI-BH. Eu propus fazer uma exposição de fotografias de viagens, e ele foi encarregado pela Pró-reitora de dar um "veredito" sobre a qualidade delas. A primeira que mostrei fez Rogério ficar emocionado.


Era uma fotografia noturna de Veneza, cidade que ele conhecia e amava. Então, minhas fotos foram aprovadas e a exposição se fez.
Perdemos o contato depois que ambos deixamos o UNI-BH. O Facebook nos reaproximou e cobrei dele a participação no nosso blog de literatura, já que ele é escritor bem conhecido da sociedade mineira. Finalmente ele enviou o material que ora publico.

Suas obras: 

"DRAGA", 1989: poesia - livro mais delicado, de memórias da primeira parte da vida. 
"Fragatas e Silêncios", 1991, poesia. Início a obras de viagem; 
pela editora Lê, "Terra Brasilis", prosa poética de teor político sobre brasileiros auto-expatriados aos EUA, texto que deu base à produção coregráfica e teatral de mesmo nome, através de intervenção de Nora Vaz de Melo em espetáculo vencedor do "Festival Jovem da Escócia" em 2001; 

Rogério e Mauro But e os livros já publicados

livro "Oitavo Pecado - Tudo sobre a Falta de Educação", 2011; 
"Oriente - Apocalipse Antecipado", pela Mazza Edições, escrito nos Emirados Árabes Unidos em 2001. 

No prelo em 2017: "Exercícios de Partida" e "Relíquia das Duas Torres".  



 A respeito deste último, o jornalista e escritor Fábio Lucas fez uma belíssima apresentação:

Relíquia das Duas Torres
(À Indelicada Espécie)

Prêmio Concurso “Poeira das Palavras”,
Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil

                                                Rogério Zola Santiago em jogos plurais

Fábio Lucas*

Fábio Lucas, sua esposa Maria Luiza Ramos e Rogério Zola Santiago


O entrecruzamento de planos de emoções, dando a impressão de simultaneidade de imagens e conceitos, condiciona a técnica compositiva do escritor Rogério Zola Santiago. A polivalência é notada em textos condensados, plenos de essência poética. E de desafio hermenêutico.

Esquecimentos podem ser Rio do Olvido,
lodo sito no estreito de Platão.
A mídia do deslembrar espreme-se opaca.
Não é membrana fácil.

...

Vinha vinhedo agreste,
egrégio mar de fetiche, Vinha Del Mar.
Ainda dava tempo de te salvar,
sem delírio, sem lírio, sem linhas.
Toda curva nela, Meteóra abrupta,
nome fêmea mais forte que
Homens, toda ela mal de pedra.

Há, em Rogério Zola Santiago, nítida diferenciação entre as formas escolhidas: alguns textos concentram-se em um ponto único de estruturação temática, como se pretendessem ampliar o sintagma nuclear, minimal; outros acumulam informações líricas, atravessam idades e circunstâncias. Terceiros são de interpretação conjectural, pois se fecham em um estojo enigmático. Todos em “Relíquia das Duas Torres” comportam leitura plural, a permitir tanto um deletreamento linear, quanto uma leitura incorporada de valores pré-textuais que entendem com a memória e informação acumuladas pela prática da comunicação social.

Decifrar a mediação referencial, convertida em mediações temáticas que se ligam a nomes de lugares e pessoas das relações e conhecimentos do autor, será outra abordagem analítica de bom rendimento. Entre as polaridades presentes, talvez a que se opõe ao mundo oferecido ao homem seja a mais frequente, mesmo que o cosmo circundante venha travestido de cenário em que a figuração geométrica se contraponha ao submisso/liberto ser.

...piso nova-iorquino repleto de lábaros ao cozimento,
nervos desvencilhados. 
No arremate, espetar-se-á vodu na estaca a entrar-lhe, 
pau de sebo onde também deflagra, rasgada, a verde amarela bandeira d’oiro.

A visitação de temas arquétipos, como a lágrima, o mar, o fogo e o tempo, vai encontrar na prosa-poética e poesia de Santiago formulações inesperadas. Não é somente a antinomia entre o mundo e o homem que inspira. Também há forte margem ideológica de descontentamento, de análise social. Nesta obra, sente-se o convite à observação aguda da crise de valores na contemporaneidade e seu rito de massificação consumista, numa espécie de antropologia filosófica em versos.

Para não dizer da metalinguagem, onipresente. O texto em escrutínio prova-se verdadeira apologia da releitura como atividade criadora. Imagens em metamorfose combinam-se com outras que, deslizando do sentido metalinguístico, caem no mundo referencial da escravidão do homem hodierno, contemporâneo. Na sequência de operações anagramáticas surgem outras de semelhante contorno grafo-acústico.

eutanásia obra galopa
cimento removido
ódio-amor embriagado,
balé translúcido.

A lida lê e fecha, escurece ao esquecimento pretendido.
Lê e esmorece na passagem (buarquiana) da banda de saia rodada. 
Candomblé manda abraçar árvore e pedra.

Tal jogo é antigo em Rogério Santiago. No poema Prazer, do livro Fragatas e Silêncios (B. Horizonte, 1991, Imprensa Oficial, onde atuou como linotipista o poeta e professor João Baptista Santiago, nos anos 1920), nota-se a astúcia letrista, acrescida de rimas internas que se conjugam além do sentido de metamorfose, de realização mimética de largo emprego na tradição estética do Ocidente, pela via de Platão e Aristóteles. O parentesco melódico-gráfico-significante transparece e conjuga-se na esfera da mensagem de caráter crítico ou, simplesmente, na objetivação de determinada oposição.

Meu nome é Ninguém, diz o Ciclope que desponta ileso
na caverna bruma. Buda Buda Carma Buda na completude de seu Nada, 
serenidade do Tudo, minuto demente, semente atormentada lágrima bailarina
 no corpo de Marlene Cigana serpente que beija de língua bifurcada.

De volta à metalinguagem, diremos que o autor evoca o estado inicial da era metafórica. O efeito realizado foge, às vezes, à razão e à objetividade. É importante considerar a capacidade lúdica do escritor e de seus vaivéns verbais bem logrados, com brinquedos fônicos e morfológicos.

...colunas imitam ranhuras de mármore. Arte pode simulacro. Da Igreja ressurgem marasmo e pesadelo, pois Esfinge que decreta soletra: “Seus escritos não terão a mesma empáfia dos devaneios”, reduz a Pitonisa de Delfos.

Dentro da cosmovisão de Santiago, conforme assinalamos, um dos traços marcantes é o vivente contraposto ao universo. Em termos do cotidiano, a descrição da paisagem é geralmente acompanhada por uma antropomorfização ou por um zoomorfismo. A interferência do humano dá a dimensão dramática do poema, iluminada pela carga emocional que lhe é adjacente e em geral contida nas finalizações. Zoomorfismo pode redundar em antropogênese, com um sentido pessimista quanto ao ser. Se a cosmovisão do poeta se apoia no choque da sensibilidade com as regras do mundo comercial e industrializado, para bem avaliar o texto que segue há de se incorporar à análise a perquirição metafísica no resíduo lírico da conotação metafórica, principal agenciador da beleza dos agrupamentos textuais separados apenas por asteriscos, sem títulos.

Escrevo de caleidoscópico prisma,
filtragem de divisão e preço
embrulhados para presente.

O campo da paisagem territorial completa-se com as viagens e, claro, a experiência cultural, pois presentifica a apreensão psicossocial em preciosa prática de redução verbal e de construção poemática. O campo de análise não se deve esgotar na categorização metafísica. Amplo espaço fica exposto ao estudo da mente, de que todo o livro “Relíquia” é simbólico. Bela e desafiadora realização em prosa, textos jornalísticos passados à prosa de que abrolha poesia. Para quem gosta da exploração das causas secretas do poema e suas variações, Rogério Zola Santiago oferece amplo espaço para a inevitável analogia do discurso verbal com a atividade onírica. Ou, mesmo, a exteriorização de códigos míticos ou simbólicos previamente interiorizados, transformados em expressão vital.

A singeleza do cotidiano,
o embuste dos eremitas em libertação do mundano,
sua oposição à pátria, a posição apátrida, o plantio das hortaliças sob o canto varão de manhãs sem herdeiros.

O que também valoriza o conjunto desta obra é a consciência artesanal e a busca insistente das raízes da poesia, da cultura, de si mesmo. Certo aspecto de ceticismo calça o sentido de muitos desses textos. Mas, o que conta aqui é o verso como medida de todas as coisas. É sábia a intromissão do descompromisso com o pré-estabelecido nesta obra plural entrecortada por mananciais diversos, em que a descrição observada sugere uma atitude mental. Metá (em Meteóra) refere-se ao “perpétuo moto” que abrange a arte e a vida.

Nossa massa tem os pés sujos e
cheira a rosas enodoadas. Pés de brasileiros interioranos,
ribeirinhos condenados a reter o cheiro de anfíbios extintos.

Ainda, há trechos que se aparentam a bloqueios, determinando leitura atenta, a fim de que aflorem partes não manifestas. São composições governadas pela melodia verbal, pelos efeitos míticos ou por procedimentos suprarracionais. Sempre um desafio à inteligência, à sensibilidade, como querem as obras de significado plural, as quais, não raro, cegam ou ofuscam. Rogério Zola Santiago traz ao leitor a rara oportunidade de convivência com o fenômeno da experiência poética na sua mais tensa complexidade, com seu universo aberto à pluralidade semântica: os signos organizam-se no pleno vigor de sua polissemia. Sente-se, nos diferentes segmentos, um perfeito corte e um conveniente miscigenar entre o poético e o prosaico. A costumeira retórica, anterior à modernidade, escudava-se em aparatos exteriores, suportes convencionais que legitimavam a presunção de poeticidade: formas fixas, versos medidos, rimas obrigatórias, distribuição regular dos acentos, enfim, uma série de expedientes nem sempre condizentes com a expressão.

...talhada barroca varanda
grades azulares capuzes
tons serragem,
pouco de branco
pouco de preto,
pó para fazer aragem,
advento que ronca oh, Tempo,
querri querrido aguerrida
liquefeita bandeira desfiada
em ouro mesclado a verde.

Sosseguem, assombrações!
Fugitivos se agarram a galhas.
Navio petroleiro, bonde negreiro
em processo de esvaziamento desta Pátria.

A modernidade, tendo-se apoiado no versolibrismo, tornou mais difícil categorizar a poesia, embora a muitos apareça como libertadora dos estados líricos livres de amarras. Com efeito, a crítica avisada é capaz de compreender os protótipos da poesia nas composições modernas, na medida em que sente, nos textos sob escrutínio, a condensação de sentidos, a multivocidade do discurso poético, que, às vezes, por opção, nada tem a relatar ou transmitir, mas simplesmente contentar-se em ser. Na famosa declaração de Archibald MacLeish, no poema Ars PoeticaA poem should not mean/But be. ("Um poema não tem de significar, mas, ser.").

Ainda que sonorizada,
a biografia tem limite de registros.
Literatura cumpre uma parte apenas.
Sem anjos e demos, recorre do amassado.

Indo mais longe, invoquemos Paul Valéry, poeta escrupuloso e pensador exigente, para quem a poesia surge como “literatura conduzida ao essencial de seu princípio ativo”. A passagem da poesia tradicional para a contemporânea assinala a tendência de absorção da retórica pela poética. E Rogério Zola Santiago ministra ensinamentos preciosos sobre como realizar a poesia sem concessões ao discurso sentimental ou transparentemente explícito.

A interposição de planos articula uma zona do mistério que é definidora do poeta e, ao mesmo tempo, um desafio para o leitor; convida-o à co-participação no deslindamento do texto, atraindo-o e aconselhando-o a não desistir da comunhão com o significado profundo. O jogo de sedução advém da massa sonora dos textos-poemas, das imagens fulgentes ou do mero entrelaçamento de símbolos e circunstâncias que convidam à participação, apelo que acorda e estimula o ato de decifrar.

...se os mais amados forem desatinados sensíveis,
a coisa complica se não lhes acode a “Arte
 em desapego e sacrifício. “Libertas”, também, é personagem. 
Iludas”, idem, cara-metade equestre, 
suicidas que aparecem de noite, o falo inflado.
Relincham e correm ao precipício.

Rogério Zola Santiago acode à nova tendência de purificação da matéria poemática dos seus suportes mnemotécnicos (no passado) ou tipográficos (nos contemporâneos subjugados pela publicidade). A predominância da função poética, apoiada no poder criador das palavras, retira-o também da tribo que tenta passar emoções vulgares, resvalando-se ao lugar-comum. O autor repõe o debate estético sobre a poesia considerada como finalidade sem fim, não obstante percorrer, no seu discurso, os princípios da evocação, da intensidade e da totalidade tirada do dia-a-dia midiático.

Joga a pérola ao porco, não faz mal, 
joga ao pélago, menos mal ainda. 
A mareta deglute-nos batimento acelerado. 
Perder tudo é Nirvana, é dar mãos ao faz-de-conta, 
ao não se prender, tudo roda e dedilha, 
tudo nada além da Ilha de Manhattan.

Muitas vezes, os textos cumprem dupla missão: a de desveladores da essência e a de reflexo da existência. É claro que, exprimindo-se numa faixa em que se presentificam emoção e enigma, o escritor não deixa de buscar, como capaz articulador da linguagem poética, a correlação pretendida entre o plano da extensão e o plano do conteúdo. Ou, em outro dizer, poeta Santiago procura sempre levar às últimas consequências a fusão de som e sentido. Daí ocorrerem projeções de natureza isomorfa ou isométrica. E, sintomaticamente, procedimentos que ora apontam para a ordem, ora sublinham o caos.

Bonde é assim,
apenas se perde do registro,
mas não impede a vassoura-noite,
limpeza do relembre.
Passagem sulfurosa de áquea salinidade
pelo coração brasileiro consanguíneo
à Ilha de Manhattan.

Tal é o sentido das duas mais recentes obras de Rogério Zola Santiago: “Relíquia das Duas Torres” e “Exercícios de Partida”, livros que chegam até o público de modo independente, sem atrelamentos sejam governamentais ou editoriais, o que majora seu código de luta pela cultura e pelas artes verdadeiras. Depois de “Draga” (1989), “Fragatas e Silêncios” (1991); “Terra Brasilis” (2001, premiado no Youth Festival da Escócia e tema de tese de mestrado em 2007, por Nora Vaz de Melo, apresentada no Brasil - UFMG e CEFET, Belo Horizonte, em nas Universidades de Boston e de Nova York (USA); e após o livro “Oriente, Apocalipse Antecipado – Tudo sobre a Solidão”, de 2011, o poeta firma-se entre os mais hábeis cultores da palavra literária em língua portuguesa hoje, garantindo tradição de sangue (seu avô, Baptista Santiago) e do solo (Minas Gerais).

*Fábio Lucas é escritor, jornalista, economista e advogado, Mestre e Doutor nestas áreas. Crítico literário, membro das Academias Mineira e Paulista de Letras; há décadas Presidente da UBE – União Brasileira de Escritores, editor do jornal da entidade. Jurado de concursos literários em países de língua portuguesa, lecionou Literatura Brasileira e Portuguesa em Blomington, Indiana, USA. Dentre dezenas de publicações, estão “Mineiranças”, “O Poliedro da Crítica” e “Literaturas Amazônicas”. Em romance, destaca-se com “A Mais Bela História do Mundo”.


3 comentários:

  1. Estimado Ricardo, também grande escritor consagrado por admiradores de todas as idades e exímio fotógrafo: agradeço pela gentil publicação deste texto do Fábio Lucas, o maior crítico literário em língua portuguesa hoje. Com afewto e gratidão- Rogerio Zola Santiago - Peço, se possível colocar o sobrenome da mestra Maria Luiza Ramos, UFMG. Vou enviar a seu filho e filhas!

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  2. Escritor e professor Ricardo, obrigado por sua gentileza em publicar sobre minha obra e sobre Fábio Lucas. Esta sua foto de Veneza é linda. Estive lá e fiquei em um hotel simples, uma cortina branca e de lá se via a Catedral de Santa Lutía. E fui à Bienal. Estava retornando da Grécia. A Literatura é o que resta para mostrar um pouco de pulsão de vida, de amor pela Arte. De novo, obrigado - Seu amigo Rogério Zola Santiago

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  3. Correção: Nora Vaz de Melo (erro de digitação meu) defendeu tese de mestrado sobre TERRA BRASILIS em 2017, ano passado, nos EUA, e ainda vai fazê-lo em 2018, no CEFET e na UFMG. Rogerio Zola Santiago

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