quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Uma resenha de tirar o fôlego...

Recebi, esta semana,  mais uma resenha do meu romance O Amor nos tempos do AI-5. Como já disse no Facebook, esta me tirou o fôlego... acompanhem!




                       












                          Ricardo Faria leitor de Flaubert

                                      ... a sensação de que o ouvinte estava de fato dentro de um barco
                                                               a navegar  num lago calmo, parecia ter sido concluída muito rápido
                                                               e o que vinha em seguida, sons mais tumultuados, tornou-se mais
                                                               perceptível, causando um grande incômodo.
                                                                                            R. Faria. In:Amor nos Tempos do AI 5 .p.7



                A sensação de incômodo permanece durante toda a narrativa no romance do Ricardo Faria porque não é possível abordar o tema e os seus detalhes sem provocar um
certo  mal estar. O permanente mal estar anunciado por Freud e analisado pelo Marcuse, com as nossas memórias universitárias sempre presentes em cada momento de nossa análise. E o autor não nos poupa detalhes, circunstâncias, minúcias, descrições, provocações. As dificuldades de ser contemporâneo de si mesmo. O permanente mal estar nessa nossa civilização em final de modelo. A todo  momento o leitor desconfia, no interior da narrativa, que ele é um professor universitário narrando o próprio ambiente.  Mora em Belo Horizonte e transita em seu fusquinha azul. Vai ao cinema com a Celina, vê Casablanca e o Sam play it...
Mas, os romancistas podem  ambientar a sua trama em lugares diversos do seu e torná-la convincente ao olhar do leitor Não é necessário morar em Ruão para sentir o tédio que a Emma Bovary sente e é descrito por Flaubert, depois, retomado pelo Sartre em As Palavras. Ou conhecer Paris para entender a Simone de Beauvoir transitando  em Montparnasse. Como se não bastasse, o Ricardo Faria reverencia Garcia Marques e
adota o Amor nos Tempos de... Há um certo gosto existencialista no interior da narrativa quando a  Celina, mocinha filha de militar, dona de casa prendada. Como num poema contemporâneo, como num romance atual... Celina trabalha, faz compras. Namora. Casou mas não morreu...
O texto do Ricardo Faria,  transversalmente dominado pelo tema do desejo se expõe , para nós os seus leitores como um relato de atualidades. Cita os temas e os textos do Chico Buarque de Holanda. Não fosse ele um homem de seu tempo – ser de desejo. Um professor, uma aluna. Não: um homem  uma mulher. Nos personagens, em seus nomes de escolha – Haydée.
O ambiente descrito pelo autor é todo marcado pela trama das escolas com os seus horários, frases interrompidas, lugares marcados. Cafezinho de garrafa pouco térmica, encontros incômodos, silêncios e frases atravessadas, olhares. Alguns  amores secretos e outros nem  tanto. Porque a trama amorosa é muito visível, quase palpável. É possível ver no ar a energia que emana dos olhares, das  palavras, das reticências. E os comentários paralelos com as respectivas bocas torcidas e lábios gritando silêncios.
O fato do Flaubert ser um dos meus mais amados autores não é o motivo pelo qual  afirmo que o Ricardo Faria Leitor é leitor de Flaubert. São os modos, as narrativa de ambos. O primeiro – uma longa e minuciosa construção de ambientes, circunstâncias sem qual quer preocupação com a agilidade no texto. Emma se olha ao espelho. Emma vai ao baile. Emma encontra o Rodolfo, lê  romance. De repente a narrativa se precipita num corte rápido e em poucas páginas o autor resolve o destino de Berta a linda filha do casal Charles e Emma. A morte ao modelo século XIX. Berta morre tuberculosa.
Assim também o Ricardo Faria. Depois das descrições da rotina universitária, dos temas abordados em História Contemporânea, de um mural que fez história. Dos detalhes ao modo realista na descrição: encontros do professor/amante e da sua amada/ namorada/ aluna em suas amorosidades explícitas. E das crianças enviadas para brincar na casa do visinho, da solícita Conceição, suas deliciosas comidinhas. Depois de oferecer ao leitor um domínio claro da circunstância histórica brasileira, da situação do Prof. Afonso Ricardo realiza o seu traço de mestre: Flaubert em Madame Bovary ? Machado de Assis em A Cartomante ? Chordelos de Laclos em Ligações Perigosas ?
Em  cena que remete ao cotidiano banal, numa ida ao Banco Afonso resolve os seus arquetípicos problemas com o sogro / rival / coronel no modelo Brasil/64. Promove o sogro a assassino e não poupa ironia – o sogro interroga o genro e diz :

- a sua amiguinha? Terrorista?

Com alma de eterno professor Afonso leciona:

- Até quando vocês vão levar estes jovens ao desespero  à morte ?

A cena final realiza o grande objeto de trabalho do autor que se revela na dedicatória, no título e não deixa qualquer dúvida ao leitor –  trabalho de análise da história contemporânea brasileira.
O sonho premonitório do início da narrativa se realiza. Afonso morre ouvindo Debussy, num barco em movimento, com personagem desconhecido. Chordelos de Laclos na memorável cena final de seu romance de cartas ?  Flaubert em Madame Bovary?  Machado de Assis em a Cartomante? Não. Ricardo Faria encerrando o seu romance em corte rápido de narrativa moderna e mais: o tema da Morte em presença dominante. As meninas contemporâneas não morrem tuberculosas. Morrem de susto, de bala ou vício, como nos ensina o poeta Caetano Veloso
Em um belo e trágico desfecho: morre Haidée usando jeans e camisa em quadrinhos. Morre Afonso realizando o sonho premonitório que abre a narrativa.
O Professor em seus momentos de recolhimento e silêncio   ouvia Debussy.
Em algum cinema de bairro um pianista toca As time goes by.
Bem posso escutar.      
 

                  

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