quarta-feira, 10 de julho de 2019

Esperando Godot (resenha)


Antônio de Paiva Moura

BECKETT, Samuel. Esperando Godot.
[1951]. Tradução de Fábio Souza de Andrade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Personagens: Estrogon, Vladimir, Pozzo, Lucky e um garoto.



Como a composição e a publicação da peça se realizam no final e no pós Segunda
Guerra Mundial, ela reflete a angústia de um tempo sem esperança, de muita incerteza.
Ao mesmo tempo há uma busca ansiosa para se compreender o ser humano em
profundidade, simbolizada na espera pelo encontro com um suposto sábio que é Godot.
Diversas vezes Godot promete ir ao encontro com Estrogon e Vladimir e não
comparece. De famílias bem estruturadas antes da guerra, tornam-se desempregados e
empobrecidos, acabam virando andarilhos. Vladimir e Estrogon encontram-se em um
lugar pedregoso, sem visibilidade do horizonte, cinzento, tendo ao meio somente uma
árvore seca. Estas circunstâncias simbolizam a Europa depois da guerra. Vladimir
parece representar a classe média com seu terno feito sob medida e chapéu bem justo na
cabeça, enquanto Estrogon é maltrapilho, botinas velhas machucando os pés e chapéu
afundado na cabeça.
Sem poder contar com recursos para a sobrevivência e respostas para suas
existências Vladimir e Estrogon travam diálogos, monólogos e sonhos isolados naquele
estranho lugar. Embora diferentes na formação intelectual e na classe social, um ampara
o outro no sentido de não se deixarem levar pelas emoções, pelos instintos e pelo
inconsciente. Estrogon pergunta a Vladimir: e se a gente se separar? Vladimir responde:
não seria a mesma coisa que vivemos! Isso mostra que eles estão condenados a viver
juntos, em cooperação.
Entra em cena Pozzo, um senhor rico, gordo, bem vestido, guiado por Luckey,
seu humilde escravo, que imitando um animal de quatro patas, carrega duas malas e tem
uma forte corda atada a seu pescoço. Vladimir e Estrogon questionam Pozzo sobre sua
crueldade com Luckey. Ele disse: Quanto mais gente encontro, mais feliz sou. Com a
criatura mais insignificante alguém aprende a enriquecer-se; saboreia melhor sua
felicidade. O personagem Pozzo é a encarnação do tipo ideal de homem na concepção
de Nietzsche: um ser superior aos demais, modelo ideal para elevar a humanidade. Para
ele, a meta do esforço humano não deveria ser a elevação de todos, mas o
desenvolvimento de indivíduos mais dotados e mais fortes. Isso confere com os ideais
nazifascista.
No segundo ato Estrogon e Vladimir continuam dialogando até que aparecem
novamente o rico senhor Pozzo, cego e seu escravo Lucky, surdo, demonstrando
decadência física e mental. Representa o declínio do ideal nazifascista do predomínio
dos fortes sobre os demais; das raças “puras” sobre as miscigenadas. Depois da segunda
guerra mundial os valores democráticos voltaram a predominar. A cegueira significando
o inconsciente e a surdez a incapacidade de ouvir os apelos de sua própria libertação.
Por outro lado, pode significar também um alívio por não ouvir mais os brados da
tirania de seu senhor.
Sabe-se que a democracia, ao longo do século XX, foi importante para diminuir
as desigualdades; aumento do índice de desenvolvimento humano e conquistas sociais.
Contudo, o Neoliberalismo vem na contramão de tudo isso. Para repetir o economista
John Kenneth Galbraith, encontramo-nos em uma tremenda “era das incertezas”, com o
empobrecimento de muitos e enriquecimento de poucos; de decadência moral, cultural e
comportamental generalizada
Aqui, a cegueira do Pozzo tem o significado que teve para José Saramago, onde
as pessoas, embora possam ver, não o querem. Não querem ver com a razão, mas
perceber com o instinto, com a emoção e comportar como o inconsciente. Toda culpa
pelo infortúnio recai sobre o outro. Daí o ódio, o desejo de morte e a selvageria. Só há
boa audição para aquilo que lhes conforte e lhes é prazeroso, fazendo-se de surdo para
as vozes da razão.
Esperar Godot hoje significa a busca de respostas para tudo que nos assusta.


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