Certa vez, a pediatra Juliana Cordeiro de Melo Franco, entusiasta da Disciplina Positiva, comentou que estava preocupada com os adolescentes. Que eles estavam se tornando deprimidos, que estavam perdendo o vínculo com a família, que o número de suicídios entre essas pessoas muito jovens estava aumentando.
Lembrei disso logo ao começar a ler o livro "Tudo o que nunca contei", de Celeste Ng. Desde o primeiro capítulo, ficamos sabendo que a adolescente Lydia, de 16 anos, está morta. Descobrimos seu corpo no fundo do lago, junto com seus familiares. E, nos capítulos seguintes, vamos sendo apresentados à personalidade da jovem, e dessa família tão peculiar.
O livro é contado com uma maestria que há tempos eu não via em autores contemporâneos. E estamos falando de uma autora bastante verde, que está apenas em seu terceiro romance. Este, de 2014, foi o livro de estreia, e já foi considerado um dos melhores daquele ano por várias listas importantes, como a do New York Times. É impressionante a capacidade de Celeste Ng de se manter coesa. Ela passeia pelo presente e pelo passado com uma tranquilidade tão grande que nunca nos permite perder o fio da meada, ao mesmo tempo em que vai descortinando as várias camadas de seus complexos personagens, com bastante suspense.
O suspense não é o gênero aqui, é apenas um ingrediente para dar fôlego ao drama. Porque este livro é um drama, puro e simples. Reúne os vários problemas comuns a relacionamentos familiares, de todos os tipos, tempos e origens. Ali temos os pais que não conseguem se comunicar com os filhos, os filhos que abrem mão da própria vida pensando em apenas agradar os pais, os pais que sufocam os filhos com seus próprios sonhos, que querem que os filhos façam as coisas que, por um motivo ou outro, não puderam fazer, os filhos que seguem caminhos obcecados na vida só para não repetirem o que consideram erros dos pais, os pais que só conseguem dar atenção a um filho em detrimento dos demais. Pais e filhos, como na canção do Legião Urbana, como em tantos outros livros e filmes importantes da história. Com direito a muitos relatos de solidão, abandono, mas também de ternura, amor e entrega.
Ao tratar de um tema global que já foi tão exaustivamente trabalhado na literatura universal, é normal que alguns momentos soem um pouco clichês. Mas, de modo geral, este livro é muito rico, uma pedra preciosa, muito bem escrito, nos leva a uma leitura fluida, fácil, leve, ainda que às vezes sobre um assunto denso, triste, que arrepia e emociona.
Todas as famílias deveriam ler este livro. Quem sabe, assim, muitas tragédias, como as enunciadas pela dra. Juliana, pudessem ser evitadas a tempo.
(fonte: blog da Kika Castro)
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